Fotografia em cores de globo iluminado, com a América Latina em primeiro plano. O globo é grande e pende do teto de um salão espaçoso.

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Edição 246 – América Latina em foco

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

O estado da arte. Aconteceu neste domingo (26) o primeiro protesto em Hong Kong desde a aprovação da Lei de Segurança Nacional. E foi estranhíssimo, como retrata este fio. O grupo, em manifestação contra um projeto de aterramento marítimo em Tseung Kwan O, foi limitado pela polícia a 100 pessoas, todas proibidas de utilizar máscaras faciais e obrigadas a portar crachás numerados para prevenir que “criminosos” se juntassem ao cortejo. Ao fim do evento, cartazes e folhetos foram levados para análise do governo, para certificação de que não continham nenhuma mensagem inadequada. Na mesma semana, uma obra audiovisual do artista estadunidense Patrick Amadon foi removida do telão em que era exibida, numa região comercial extremamente movimentada, por conter referências diretas a manifestantes presos na cidade. A obra era parte da Art Basel Hong Kong, importante evento para a retomada cultural de Hong Kong no pós-pandemia, como conta esta boa reportagem da Folha.

Passando a tesoura. Com o objetivo de tentar estimular a economia, o governo chinês decidiu anunciar o corte de impostos e taxas para alguns setores. O assunto foi tratado neste texto da Caixin, que fala numa redução de tarifas de cerca de 480 bilhões de yuans por ano, o equivalente a 362 bilhões de reais. O tema também apareceu na Bloomberg, que faz um mergulho mais profundo na política econômica adotada por Pequim. Com base nisso, o economista Michael Pettis fez um fio trazendo ponto a ponto por que esse movimento chama atenção.

Quem tá vivo sempre aparece. Jack Ma reapareceu na China após quase um ano viajando pelo mundo. Nesta segunda-feira (27), ele visitou uma escola em Hangzhou, sua cidade natal e sede da Alibaba, e falou sobre o impacto da inteligência artificial na educação inclusive sobre o ChatGPT, que também opinou sobre o retorno de Ma ao país. Desde que deixou o papel de CEO em 2019, ele foca na sua fundação, que tem educação como um dos pilares. A imagem de Ma entrou em crise em 2021, após a investida do governo em regular a Ant Group, braço financeiro da Alibaba, e de discussões sobre monopólio. Na época, o bilionário havia feito um discurso interpretado como crítico ao sistema bancário. 

Ao mesmo tempo, a Alibaba anunciou na terça (28) uma enorme reestruturação. A empresa vai se dividir em seis, incluindo uma unidade focada em serviços de nuvem, uma no e-commerce em território chinês e uma para os serviços globais, conforme relata a Reuters. Cada unidade terá seu próprio CEO e deve buscar financiamento de forma independente. Em 2021, a Alibaba foi multada em 18,2 bilhões de yuans por práticas monopolistas. O alinhamento entre a volta de Ma e o anúncio da reestruturação não deve ser coincidência, já que o anúncio sobre ele estar no país foi positivo para as ações da Alibaba.

Ficou para 11 de abril a viagem de Lula à China. Inicialmente prevista para ser uma megavisita no final de março — com delegação formada por empresários e integrantes dos poderes Executivo e Legislativo —, a viagem precisou ser cancelada após o presidente brasileiro ser diagnosticado com pneumonia. Xi Jinping desejou melhoras a Lula por meio de porta-voz. Apesar do balde de água fria, os chineses retomaram a importação de carne bovina brasileira, que havia sido suspensa após o surgimento de um caso atípico de vaca louca. A ex-presidente Dilma Rousseff, que faria a viagem ao lado de Lula, assumiu nesta terça (28) o comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco dos Brics, em Shanghai.

Ainda sobre visita adiada, dois shumianers comentaram na mídia sobre o que esperar da reunião bilateral: Aline Tedeschi na Band News e Bruno Gomes Guimarães no Brazilian Report.

Honduras troca Taipei por Pequim. Em movimento recebido com críticas por Taiwan, o país centro-americano decidiu romper laços com o estreito e restabelecer relações diplomáticas com Pequim, capital da China continental. A decisão de rever o reconhecimento de Taipei como governo legítimo da China foi anunciada pelo governo hondurenho no fim de semana. Sem perder tempo, o governo chinês decidiu convidar a presidente Xiomara Castro para visitar Pequim, como mostra a Caixin. Castro foi eleita em 2021 com a plataforma do estabelecimento de relações com a China continental. O The Dialogue publicou um texto falando sobre o que Honduras poderia ganhar com essa troca.

Em resposta, a líder taiwanesa Tsai Ing-wen já havia agendado visitas oficiais a Belize e à Guatemala, a qual também reiterou seu apoio a Taiwan. América Central e Caribe são onde Taipei mais tem reconhecimento diplomático pleno. Porém, desde 2016, quando Tsai chegou ao poder, quatro países da região romperam relações com Taipei. 

Em meio a essa movimentação política, a ministra da educação da Alemanha, Bettina Stark-Watzinger, visitou a ilha, no que Pequim alegou ser uma atitude “vil”. Esta é a primeira vez que um ministro do país europeu vai ao estreito em 26 anos. Isso tudo acontece em meio à visita histórica de Ma Ying-jeou, ex-líder de Taiwan, à China continental.

Valeu pelos memes. Na última quinta-feira (23), o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, respondeu a perguntas de congressistas dos Estados Unidos. As questões variaram entre a nacionalidade do aplicativo, a possibilidade de acesso a dados de usuários pelo governo chinês e o conteúdo potencialmente prejudicial de algumas postagens. Sem grandes revelações, as cinco horas de conversa foram recebidas na internet com acusações de sinofobia, admiração pelo CEO galã, pedidos de retaliação e memes, porque alguns congressistas não conseguiram disfarçar sua pouca familiaridade com tecnologia. Pouco antes da sessão, o Ministério do Comércio chinês declarou oposição à venda das operações do app nos EUA a uma empresa local, uma proposta dos governos Trump e Biden. Enquanto Shou e celebridades do TikTok defendiam a plataforma nos Estados Unidos, o CEO da Apple Tim Cook era recebido em Pequim, onde elogiou a capacidade de inovação chinesa. Zichen Wang, da newsletter Pekingnology, resgatou uma postagem do ano passado para lembrar que os dois países já foram capazes de encontrar maneiras mais amistosas de resolver a questão da circulação de dados de usuários de plataformas digitais.

O apagamento de uma cultura. O poeta e acadêmico uigur Aziz Isa Elkun postou no Twitter um vídeo contrastando festividades realizadas em Xinjiang em 2006 e 2020 e mostrando os efeitos da “campanha de reeducação” de Pequim na região. Elkun e sua esposa, Rachel Harris, também publicaram um texto encomendado pelo Uyghur Human Rights Project sobre o ataque sistemático à cultura e modo de vida tradicional uigur desde 2014. Elkun e Harris citam cinco Patrimônios Culturais da UNESCO na região que estariam sendo comercializados e destruídos em prol do turismo, além de usados pelo governo para reescrever a história e a cultura locais. Um exemplo é a prática do Muqan, patrimônio intangível envolvendo dança e música,  banido para habitantes da região exceto em apresentações públicas para turistas, jornalistas e dignitários estrangeiros e na televisão. O The China Project explica mais sobre esse e outros casos que, segundo o relatório, seriam precursores do genocídio.

Inteligência artificial retrô. A newsletter China Report fez uma edição dedicada e explorar o trabalho de criadores chineses que usam o Midjourney, uma inteligência artificial capaz de sintetizar imagens, para criar “fotografias” da China nos anos 1980 e 1990. Para alguns, a ideia é reconstruir memórias do cotidiano da infância – para outros, há um viés mais político, em busca de um olhar menos ocidentalizado sobre o período de reabertura chinesa para o mundo. O criador Zhang Haijun comenta que, para produzir suas imagens, é necessário traduzir seus textos em chinês para a língua inglesa, utilizada no serviço de IA. Por enquanto, a China não tem um sintetizador de imagens próprio para concorrer com o Midjourney – mas nesta semana, a equipe responsável pelo ERNIE Bot, o ChatGPT da Baidu, anunciou o lançamento do Space Shark, o primeiro personagem para jogo de plataforma móvel criado por IA no país, em parceria com a distribuidora de jogos Giant Interactive Group.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Os muros: em um especial para o TAB Uol, nossa editora sênior Talita Fernandes conta como foi a experiência de visitar diversos trechos da Muralha da China ao longo das quatro estações do ano. Spoiler: o megamonumento tem formatos e materiais diferentes e NÃO pode ser visto da Lua. 

Fotografia: a Sixth Tone conta a história de Wang Ying, conhecida por seus belos registros das aves de Yunnan — é uma foto mais linda que a outra.

Acadêmico: The Future of Privacy Forum e Asian Business Law Institute publicaram um relatório sobre o papel do consentimento no processamento de dados pessoais na China continental.

Dica: buscando inspiração para as férias? O historiador Jeremiah Jenne listou obras literárias que podem te ajudar a encontrar novos destinos para visitar na China. 

Humor: Xiran Jay Zhao, que escreveu Viúva de Ferro (que lemos no nosso Clube) postou dois vídeos (este e este) fazendo a tradução literal dos caracteres chineses usados para transliterar os nomes de países para o Mandarim.

Podcast: Tyler Cowen recebeu Yasheng Huang para conversar sobre o desenvolvimento do Estado chinês, meritocracia e provas de serviço público.

 



A digitalização de caracteres chineses não foi uma tarefa fácil, mas foi fundamental para incluir a China na era digital, como conta este episódio da nova série de vídeos da Sixth Tone sobre a ascensão tecnológica chinesa.

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