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Os desafios do censo chinês e das relações com a Alemanha

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Não é só no Brasil que estamos falando de censo. O recenseamento chinês, também realizado a cada 10 anos, deveria ter divulgado seus resultados mais recentes em abril, mas ao que tudo indica vai sair apenas em meados de maio. Enquanto não temos os números oficiais, uma matéria do Financial Times do dia 27 de abril ganhou ampla circulação ao divulgar que a população chinesa estaria em queda pela primeira vez desde a década de 60, segundo fontes. Já falamos sobre a crise demográfica que o país sofre, com menos nascimentos e envelhecimento populacional. A própria mudança da política do filho único, em 2015, foi uma tentativa de resolver essa questão — embora a adesão tenha sido baixa, tanto por conta dos custos da vida familiar quanto do desinteresse por parte das mulheres. Apesar da especulação de que a crise estaria mais acelerada do que o previsto, o Departamento Nacional de Estatísticas chinês emitiu uma nota curtíssima no dia 29, dizendo que a população continuou crescendo em 2020, segundo o seu entendimento.

A discussão reacendeu debates nas redes sobre a confiabilidade dos dados oficiais, uma discussão antiga: um texto de opinião publicado em 2019 no South China Morning Post por Yi Fuxian comenta ser possível que o país não seja o mais populoso do mundo (que seria a Índia), tendo números inflados por governos locais para garantir repasses —  e para esconder fracassos de políticas públicas voltadas para planejamento familiar. Para além dessa questão, a Caixin destacou outros pontos interessantes a serem conferidos no censo, como o declínio da maioria han e o aumento expressivo no número de residentes em Sichuan e Chongqing, além do adensamento populacional na província de Guangdong, esta última abrigando um em cada 12 chineses. Vale ler e ficar de olho quando saírem os números oficiais.

Querido robô, me leve para a estação mais próxima. Para quem já circulou em uma grande cidade chinesa, a presença dessas máquinas não é algo tão inusitado assim. Em alguns restaurantes, os clientes recebem seus pratos por meio de carrinhos automatizados, e os eletrônicos substituíram os humanos também no serviço de quarto de alguns hotéis. O próximo passo a ser testado na capital da China são os táxis guiados por robôs. Já apareceu por aqui sobre robotáxis sendo testados em Shenzhen, mas de acordo com a Caixin, esse tipo de serviço poderá ser experimentado também em Pequim, oferecido pela Baidu a partir deste mês de maio. Outros modos de transporte sem condutor estão em fase de teste pela empresa em outras localidades da China. No fim do mês passado, a Reuters publicou uma reportagem mostrando que a Jidu Auto, uma joint venture entre Baidu e a Geely, tem a intenção de fazer investimentos nesta área em torno de 7,7 bilhões de dólares (R$ 41,8 bilhões) em cinco anos.

E o Taobao Rural, funciona? Parece que a iniciativa não deu tão certo quanto o esperado, ou pelo menos precisa ser analisada com mais cautela. O assunto é abordado no artigo “Connecting the Countryside via E-Commerce: Evidence from China,” publicado na edição de março da revista American Economic Review (AER): Insights. O site Protocol escreveu sobre o artigo da AER, mas seu viés foi criticado por uma das autoras do texto original neste fio. Segundo o estudo, conduzido por pesquisadores de universidades da China e dos EUA, a ideia de levar e-commerce para as regiões rurais tende a trazer mais facilidades na compra do que na venda, mas isso não necessariamente inviabiliza em absoluto o uso dessas plataformas no campo.

Sem surpresa. Seguindo o aperto de cerco contra as big techs, o governo chinês aplicou novas multas na última sexta-feira (30). Entre as atingidas está a Tencent, que controla o WeChat. O motivo é o mesmo usado para advertir algumas de suas concorrentes recentemente: concentração de mercado. A medida ocorreu um dia após terem sido emitidos alertas a 13 companhias do setor. Segundo a Caixin, a Tencent foi multada em 77,2 mil dólares (R$ 419,8 mil) por não ter buscado as autoridades antitruste do país antes de fazer compras e fusões com as empresas Bitauto Holdings e Shanghai Lantu Information Technology.

Outra empresa que entrou na mira de órgãos regulatórios foi a Didi Chuxing, aplicativo de viagens compartilhadas. Em reportagem publicada pelo South China Morning Post, fala-se em um número maior de empresas que entraram na mira do governo, totalizando dez, com a mesma multa aplicada a cada uma delas. O tema não é novidade, já que o governo vem alertando as companhias sobre medidas antitruste, como já falamos aqui.

censo China

Uma nova relação Brasil-China? A substituição de Ernesto Araújo por Carlos Alberto França no Itamaraty parece ter dado novos ares para a relação entre os dois países. Houve uma sensível mudança na forma como o Ministério das Relações Exteriores conduziu a repercussão de uma desastrosa fala do ministro Paulo Guedes (Economia) sobre “a China ter inventado o vírus”. O próprio Guedes disse em entrevista que foi avisado de que França entraria em contato pedindo explicações sobre a declaração controversa, que costumava ser endossada por Ernesto. Além disso, o embaixador brasileiro em Pequim, Paulo Estivallet de Mesquita, concedeu uma entrevista ao jornal estatal chinês Global Times afirmando que o Brasil confia na vacina chinesa.

Na sequência da fala de Guedes, o novo chanceler brasileiro telefonou para Yang Wanming, o embaixador chinês no Brasil, com quem tanto Araújo quanto o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, chegaram a bater boca no Twitter no passado.

Em terra de Covid, quem tem vacina é rei? Em tempos de pandemia e do número ainda muito elevado de mortes pela Covid-19, o acesso aos imunizantes com certeza é vantagem. Mesmo sendo uma das grandes fornecedoras de vacinas e insumos, sobretudo do Sul Global, os imunizados com vacinas chinesas devem ficar de fora dos primeiros acordos de circulação de passageiros em alguns países do Norte. Essa semana, a União Europeia anunciou que turistas estadunidenses poderão circular em seu território no próximo verão desde que tenham sido vacinados com produtos aprovados pelo bloco, como Moderna, Pfizer/BioNTech e Janssen (Johnson & Johnson).

Além disso, um relatório da União Europeia também coloca os produtos asiáticos na mira de autoridades sanitárias junto com a vacina russa Sputnik V, rejeitada pela Anvisa no Brasil essa semana. Nós já falamos aqui sobre algumas das distorções que a criação de passaportes de imunidade podem trazer ao mundo. Se você quiser fazer uma leitura mais atenta sobre a geopolítica do tema, recomendamos este texto da Foreign Policy. A China também está em negociações para a criar um documento semelhante, como contamos em edição anterior.

E por falar em aprovação de vacinas, esse foi um dos temas tratados na reunião entre os governos da China e da Alemanha na última semana. O encontro também contou com conversas sobre multilateralismo, livre comércio e combate ao Covid-19 de maneira mais ampla. Pequim enfatizou a cooperação para enfrentar a pandemia e solicitou que vacinas chinesas fossem aprovadas para uso na Europa, enquanto Berlim pediu abertura econômica, reciprocidade na questão dos imunizantes e maior respeito aos direitos humanos em Xinjiang e Hong Kong. Vale lembrar que, conforme noticiamos aqui, no final do ano passado, China e União Europeia (UE) assinaram um acordo de investimentos que vem encontrando resistência no Parlamento da UE, mas que tanto Berlim quanto Pequim querem que seja ratificado o quanto antes.

Sem resultados tangíveis, a reunião intergovernamental evidenciou um afastamento político entre as duas partes, ainda que o comércio bilateral continue crescendo em importância. Por exemplo, no campo da tecnologia, a instalação do 5G provocou intensos debates na Alemanha, como acontece no Brasil, e gerou bastante atrito com Pequim. No fim, empresas chinesas não foram vetadas da rede alemã. No campo geopolítico, Berlim dá sinais de comprometimento com seus aliados, especialmente o Japão, ao enviar, de maneira inédita, uma fragata para navegar no contestado Mar do Sul da China — o que não é visto com bons olhos por Pequim. Talvez esse relativo afastamento de China e Alemanha tenha vindo para ficar, já que Annalena Baerbock, candidata dos Verdes (que lidera as pesquisas) à chancelaria, defende uma postura mais dura para com o país asiático. Aguardamos os próximos capítulos.

A China seguirá no centro do debate da política dos EUA. É o que indica o discurso dirigido por Joe Biden ao Congresso de seu país, o primeiro desde que assumiu a presidência. O gigante asiático foi destaque na fala do estadunidense, especialmente a competição entre os dois países. Em resposta ao pronunciamento, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês reafirmou a busca por cooperação e entendimento, mas também criticou a postura dos EUA nos últimos anos.

Na semana passada, falamos aqui sobre republicanos e democratas buscando aprovar uma lei para conter a China. Nesta análise para a Carnegie Endowment, Paul Haenle se aprofunda sobre o que esperar da relação China-EUA na gestão Biden.

Falando em China e EUA, anúncios no âmbito militar chamaram atenção recentemente. Em exposição realizada em Nanquim, o governo chinês apresentou um radar portátil supostamente capaz de detectar aeronaves furtivas (stealth), drones e mísseis de cruzeiro. Componentes importantes da atuação militar dos EUA, esses sistemas armamentícios avançados são também exportados para Taiwan a despeito de protestos de Pequim. O outro acontecimento nessa esfera foi a inauguração de três navios de guerra pela marinha chinesa. Dentre eles, o que mais se destacou foi o novo navio de ataque anfíbio, considerado ideal para uma eventual tentativa de retomar Taiwan à força. Com efeito, a situação da ilha parece estar esquentando, como mostra este texto do The China Story, além da repercussão da controversa capa da The Economist desta semana, que se referiu à ilha como “o lugar mais perigoso do mundo”. Netizens não perdoaram e uma sequência de posts com fotos de boa comida e tranquilidade em Taiwan passaram a ser compartilhadas com a hashtag #TheMostDangerousPlaceOnEarth, em uma sátira ao título da publicação britânica.

A ciência contra o plástico. Já falamos por aqui sobre as questões ambientais em debate atualmente na China. Um estudo recente dá sinais de que cientistas chineses podem ter feito um importante avanço em relação ao uso de bactérias que se alimentam de plástico, como mostra esta matéria do South China Morning Post. O tema já é estudado mundo afora, mas a descoberta do Instituto de Oceanologia da Academia Chinesa de Ciências em Qingdao, na província de Shandong, é a primeira a decompor também o polietileno. A diminuição de plástico no mundo não é um desafio exclusivo da China, mas uma descoberta como essas pode ter grande debate na comunidade acadêmica e entre ambientalistas.

O futuro é aqui e agora. Em uma recente análise publicada na Folha, Tatiana Prazeres conta sobre sua incursão a Chongqing, a megacidade chinesa de 32 milhões de habitantes que é conhecida como um lugar de experimentações urbanas na China. Entre os temas abordados, a autora destaca os testes feitos em torno do hukou. Para quem quer se localizar melhor sobre essa megalópole, a famosa usina das Três Gargantas fica próxima a essa municipalidade, que também é palco do famoso filme “Em busca da Vida”, do cineasta chinês Jia Zhangke. Além disso, Chongqing, assim como Pequim, Xangai e Tianjin, figura entre as quatro municipalidades chinesas subordinadas diretamente ao governo central. Essa boa análise do “modelo Chongqing” (no Made in China Journal) já apareceu por aqui antes.

Reconhecimento facial precisa ser levado a sério, como foi discutido no Brasil na semana que passou. A pauta na China não é nova, mas pouco a pouco alguns avanços trazem o tema à tona. Um desses casos é o de Guo Bing, que concedeu uma entrevista recente para o Sixth Tone. Em novembro de 2019, nós contamos por aqui sobre o processo que o professor Guo abriu contra um parque safári em Hangzhou por obrigar o uso de reconhecimento facial para acesso ao espaço. A ação judicial — que ainda não está concluída — foi o primeiro nas cortes chinesas a debater o que tem se tornado padrão em tantas cidades. Guo almeja que incentive discussões e respostas do poder público e do setor de tech. Já é possível ver algum progresso, como em uma recente legislação e em atitudes tomadas por autoridades locais, como multas a empresas.

Para o alto e avante: a China deu um importante passo no seu programa espacial com o lançamento do módulo principal (Tianhe) da sua futura estação espacial, na semana passada. Um vídeo da CGTN faz um tour por dentro do módulo. A estação chinesa, Tiangong, é parte de um ambicioso projeto nacional de tornar-se uma potência na área. Vale ler um pouco mais sobre o assunto no texto do CSIS e ouvir a pesquisadora (e ex-Shumianer) Rita Feodrippe falando sobre o tema.

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Vozes Negras na Sinologia: conheça Aline Mota, integrante do projeto Vozes Negras na Sinologia. Em uma entrevista descontraída, conversamos com a Aline sobre sua pesquisa a respeito de investimentos chineses no setor agrícola de Angola e discussões sobre a branquitude da academia brasileira. Confira aqui!

Punk chinês com batida do Brasil: fundada em Shanghai, a banda Oh! Dirty Fingers (脏手指) acaba de lançar um novo álbum. O disco conta com a produção do brasileiro Alê Amazônia, ex-baterista do grupo. Aumenta o som!

Porque relaxar também é preciso: confira este timelapse hipnotizante sobre cogumelos que já tem 1,2 milhão de fãs, criado pela pesquisadora Zhou Qingfeng.

Podcast: Kishore Mahbubani, ex-embaixador de Singapura e autor de diversos livros que lidam com os impactos da ascensão chinesa no mundo (“Has China won?” é o mais recente), conversa com o historiador sino-indonésio Wang Gungwu sobre a história das relações da China com o sudeste asiático neste episódio do Asia Peace Talks.

Mais podcast: vale ouvir a entrevista que o Chinese Whispers fez com o fundador do Reading the China Dream sobre o que pensa a elite intelectual chinesa acerca do governo de Xi Jinping. Não perca!

Apareceu nos maiores jornais chineses: um texto biográfico sobre a vida de Xi Jinping, de sua juventude nas cavernas de Liangjiahe até a ascensão ao cargo mais poderoso da China. Oportunidade para conhecer a trajetória de Xi e ver umas fotos dele novinho.

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O chéngyǔ de hoje é para quem anda se sentindo meio perdido nessa pandemia: significa não saber o caminho certo, ou o jeito certo de fazer algo.

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