Edição 177 – Embargo à carne brasileira e 5G na pauta dos chanceleres
Afinal, a propriedade vai ter imposto? Na semana passada, falamos sobre um artigo publicado por Xi Jinping sobre a prosperidade comum. Entre os tópicos do texto do dirigente da República Popular da China, ganhou forte repercussão o aceno à criação de um imposto sobre propriedade. Essa seria uma das formas de chegar à tal sociedade-azeitona, de Xi, com maior concentração da população na classe média ao passo que haveria uma diminuição dos mais ricos e dos mais pobres. Como conta o The Wall Street Journal, a proposta já enfrenta resistência, já que a ausência dessa taxa permite custos mais baixos para a propriedade. Sem dúvida, trata-se de um tema extremamente impopular e muita gente acha que isso não pode passar de uma ideia. Se você quiser se aprofundar no tema, vale acompanhar este fio do Twitter de Martin Chorzempa, do Peterson Institute for International Economics.
E, por falar em prosperidade comum, o South China Morning Post deu início nesta segunda (25) a uma série sobre o tema. A primeira reportagem fala sobre a vida da grande massa da força de trabalho formada por migrantes, que parecem muito longe de desfrutar do bem comum almejado.
(Mais) regulação à vista? Já estamos falando há meses sobre as regulações do governo Xi em uma série de setores da economia — imobiliário, televisão, algoritmos, video games, e por aí vai. Bom, um controle mais amplo sobre o enorme setor de economia digital pode vir em seguida. Não é inesperado, mas pode gerar tensão numa indústria que atingiu a marca de 6 trilhões de dólares no ano passado e ocupa um espaço de 38% do PIB chinês.
A ideia, a partir da fala do próprio líder chinês em encontro do Partido, é de reduzir monopólios e práticas injustas. Ao fortalecer o órgão regulatório, Xi quer inibir o comportamento “anticompetitivo”, uma das principais questões na economia digital. Diversas grandes plataformas enfrentaram processos recentes – já contamos do caso do Alibaba aqui, por exemplo. Por fim, Xi também disse que é preciso maior integração entre a economia digital e outros setores mais tradicionais, pelo seu papel no desenvolvimento nacional.
Falando em regulação, no começo deste mês de outubro, em Pequim, foi revelada uma proposta da Comissão de Reforma e Desenvolvimento Nacional para impedir que o capital privado estabeleça e opere veículos de notícias. O rascunho ficou aberto para consulta pública por uma semana. Embora a notícia tenha se destacado nas mídias internacionais, por enquanto não sabemos como ou se a proposta se concretizou. Em texto para o site Quartz, a repórter Mary Hui destacou que tais mudanças trariam limitações sem precedentes para a mídia chinesa, e um dos especialistas citados indicou que um provável afetado pelas novas regras seria a Caixin, que é da Tencent. Pois bem. Na última semana, o órgão regulador da internet atualizou sua lista de veículos de notícias pré-aprovados e poupados do “Grande Firewall” chinês — e a Caixin já não faz mais parte dela.
Grande ou pequena? O caso Evergrande parece nunca ter fim e, desde que a gigante do ramo de construção anunciou estar em dificuldades, no fim de agosto, as coisas vêm mudando dia a dia. Na semana passada, um integrante do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse que a crise parecia estar contida, fala que se somou à visão do Banco Central chinês. Na sequência, veio a notícia de que uma dívida da empresa seria prorrogada, levando mercado e analistas a acender um novo sinal de alerta. Mas como os sinais seguem incertos e devido aos anúncios ao longo do fim de semana de que a Evergrande deve reduzir seu campo de atuação e também se voltar para a produção de carros elétricos, as ações da empresa amanheceram melhores. Isso deu uma animada no mercado e provocou até alta de ações. As notícias não devem parar por aí, então seguiremos atentos aos próximos desdobramentos.
Precisamos falar sobre Macau. Hong Kong e Macau têm muito em comum, incluindo os desafios políticos atuais, embora a ex-colônia portuguesa receba menos atenção da mídia internacional. Nas últimas eleições parlamentares, por exemplo, diversos candidatos do campo pró-democracia macauense foram impugnados. A medida foi defendida por políticos pró-Pequim como um “governo feito por patriotas” — um bordão bem conhecido das notícias sobre Hong Kong.
Na última semana, esse paralelo entre os territórios seguiu adiante com o fechamento de um portal de notícias macauense, o Macau Concealers. O encerramento se deu por conta de “mudanças ambientais” — que seriam, entre outras, a falta de dinheiro de seus fundadores, políticos de oposição que agora foram impedidos de concorrerem à reeleição, ficando desempregados. Lembra um bocado o caso da Apple Daily em Hong Kong, que foi fechada após a prisão de seu fundador — e posterior confisco financeiro por conta da Lei de Segurança Nacional. Assim como aconteceu com o Apple Daily e com programas “proibidões” da RTHK, locais se mobilizaram para salvar conteúdos antes que fossem permanentemente apagados da internet.
Tem boi na linha. Na última semana, os chanceleres do Brasil, Carlos Alberto França, e da China, Wang Yi, tiveram uma conversa por videoconferência para discutir temas sensíveis na relação bilateral. Segundo reportagens e relatos do diálogo, os principais temas foram o 5G, assunto levado pelos chineses, e o veto à importação de carne brasileira, tema proposto por Brasília. Em sua coluna, Marcelo Ninio cita um empresário chinês que relaciona a proibição da importação à proximidade do leilão do 5G. Enquanto a imprensa brasileira destacou o pedido pelo fim da barreira ao nosso produto, o tema nem aparece na nota divulgada pelo Ministério de Relações Exteriores da China. O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, afirmou em sua conta nas redes sociais que os dois países chegaram a “resultados concretos”. Por sua vez, o Itamaraty apenas divulgou os assuntos conversados, sem especificar os desdobramentos. França afirmou ainda que a China é parceira do Brasil no combate à Covid, adotando um tom mais ameno em relação ao presidente Jair Bolsonaro e seu antecessor à frente do MRE, Ernesto Araújo.
Você que lute. Os preços das exportações chinesas estão 20% mais caros comparados aos do ano passado, pressionando a inflação global, reportou a Bloomberg. A matéria assinala que parte do aumento se explica pela elevação do custo de matérias primas como a eletricidade, mas que outra parte se deve à decisão das empresas exportadoras chinesas de aumentar os preços para obterem lucros maiores. Mesmo deixando, pelo menos temporariamente, de praticar os preços baixos que há muitos anos têm contribuído para frear a inflação no mundo (e a concorrência), com a recuperação da demanda global as exportações chinesas devem crescer significativamente este ano. Porém, o impacto inflacionário deve ser desigual entre países desenvolvidos e em desenvolvimento: nos primeiros, a inflação deve ser menor porque eles dependem menos de bens produzidos na China. O que será de nós no Brasil?
Na contramão das regulações, o governo municipal de Pequim agora permite que estrangeiros invistam em VPNs (redes privadas virtuais) na cidade. Os serviços de VPN são utilizados principalmente por empresas multinacionais que precisam acessar sites bloqueados pelo “Grande Firewall”. Seu uso por cidadãos chineses é bastante restrito, mas a nova política da capital já obteve anuência do governo central, como conta o SCMP. Outras medidas que vão ao encontro dessa maior abertura a investidores estrangeiros também foram anunciadas para provedores de internet, lojas de aplicativos, indústria do entretenimento e setor educacional. A flexibilização, que já entrou em vigor, surpreende, porque parece ir em direção oposta à recente onda regulatória do governo central, mas deve incentivar investimentos externos no “Vale do Silício de Pequim”.
Pequim comemora 50 anos da sua entrada na ONU. Em 25 de outubro de 1971, Taipei deixou de ter o assento no Conselho de Segurança, substituído pela República Popular da China. A jornada que levou a esse momento dialoga amplamente com a história do país nos últimos 100 anos. A fundação da ONU se deu enquanto a China estava em guerra civil, com os nacionalistas do Guomindang escapando para a ilha de Taiwan em 1949. Iniciou assim um dos imbróglios diplomáticos mais famosos do século XXI. Desde então, Pequim passou de tímido para liderando 15 das agências especializadas da ONU — o que aumentou durante o governo Trump, como escreveu nossa editora sênior Júlia Rosa lá em 2019. No contexto atual de tensões com o governo em Taipei (que tem recebido apoio verbal de Biden) como contamos aqui, não escapou o reforço da informação de que Pequim é o “legítimo” dono do assento.
Em comemoração ao momento histórico, o Global Times fez uma linha do tempo do processo, do ponto de vista da RPC. O país lançou um documento sobre a cooperação com as Nações Unidas nesses últimos 50 anos. Em discurso hoje (25), Xi parabenizou a instituição.
Carregam meio céu, mas têm limite. Não é de hoje que trazemos aqui questões de gênero na sociedade chinesa. As mulheres, sobre quem recaem boa parte das cobranças atuais do governo para manter a taxa de crescimento da população, veem suas vidas limitadas até pelo tipo de carreiras que podem escolher nas universidades. Uma interessante reportagem do The New York Times traz relatos e dados de como alguns cursos na China têm atualmente um limite para o acesso de mulheres. Vale passar um cafezinho para ler.
Se correr, o bicho pega. Aconteceu no domingo (24) a Maratona de Hong Kong, primeiro grande evento pós-Covid-19 e Lei de Segurança Nacional. Por causa da pandemia, o número de participantes foi reduzido a 1/3 da edição anterior; apesar disso, houve 30 vezes mais corredores machucados, já que outubro é muito mais quente que fevereiro (quando a prova normalmente ocorre). Por causa da LSN, o número de policiais presentes foi bastante elevado, e diversos corredores foram impedidos de participar caso não trocassem roupas ou cobrissem tatuagens que continham mensagens “políticas”, a mais célebre delas sendo 加油香港, algo como “força, Hong Kong”. Embora a expressão “add oil” (加油) seja tão comum que entrou para o dicionário Oxford, seguida de “Hong Kong” (香港) ela se tornou um slogan das manifestações de 2019. Incendiária.
Falando em Lei de Segurança Nacional, ela é a razão dada pela organização de direitos humanos Anistia Internacional para o fechamento de seus dois escritórios em Hong Kong até o final deste ano.
Tem muito bolo para distribuir. Ainda que o governo chinês venha tentando conter o culto ao estilo de vida dos multimilionários do país, a verdade é que a China ainda é um país em que há grande concentração de gente muito rica. Um exemplo é Zhang Yiming, co-fundador do hit do momento Tik Tok. A Caixin publicou uma reportagem mostrando que, segundo a Forbes, Zhang é o homem mais rico entre os poderosos do mundo da internet.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Um fóssil amedrontador: cientistas chineses descobriram um escorpião marinho gigante no sul do país. O animal tinha cerca de um metro de comprimento e ficava no topo da cadeia alimentar do fundo do oceano há milhões de anos.
Sobreviventes: a revista Runner’s World acaba de publicar um longo e emocionante relato de dois participantes da trágica ultramaratona Yellow River Stone Forest 100K 2021, em Gansu. Vale demais a leitura.
Falando em maratonas, a SupChina publicou uma matéria sobre corridas verticais na China. A modalidade, que consiste em subir arranha-céus o mais rapidamente possível, tem cada vez mais competições e adeptos no país.
Tigres siberianos, ameaçados de extinção, vem crescendo em número nos últimos 20 anos no norte da China: eram apenas sete felinos selvagens no início dos anos 2000 e hoje são 55. O The Wall Street Journal publicou uma matéria sobre esse caso de sucesso das políticas ambientais e de maior conscientização da sociedade.
Moda: confira as principais tendências primavera-verão da Shanghai Fashion Week na Radii e a seleção da Vogue dos melhores looks urbanos apresentados no evento.
Rubro-negro em mandarim. De olho nas transmissões de seus jogos no grande mercado chinês, o Flamengo aproveitou um clássico Fla-Flu para colocar o time em campo com nomes estampados em mandarim em suas camisas. Se você perdeu o jogo, veja uma das camisas no link.
Como diria Confúcio: só que talvez não. Já ouviu alguma pessoa citando Confúcio por aí? Há chances de não ser de fato uma frase do filósofo chinês. Para te ajudar, a Sixth Tone trouxe algumas dessas citações.