Edição 214 – Didi é multada em ¥ 8 bilhões por violação na coleta de dados
A autoridade de regulação do ciberespaço multou a DiDi. A gigante de transporte compartilhado (que é dona da 99) recebeu uma multa de cerca de 8 bilhões de renminbi (aproximadamente 1,2 bilhão de dólares ou 6,5 bi de reais). O motivo é a violação de dados pessoais de passageiros e motoristas, além de violações da lei de segurança nacional e da lei de cibersegurança, segundo notificação publicada na quinta-feira (21) pela Administração de Ciberespaço da China. As autoridades foram enfáticas sobre o comportamento condenável da empresa em coletiva sobre o tema. Dentre as evidências, estão a coleta de captura de tela de milhões de álbuns de fotos, coleta excessiva de informações para reconhecimento facial e sobre vínculos familiares, dentre outros. Além da multa à empresa, o CEO e o presidente da empresa foram multados pessoalmente em 1 milhão de renminbi (800 mil reais) cada. A situação se desenrola após a saga da empresa de tentar abrir capital em Nova York, que foi cancelada após o início dessa investigação, e posterior opção de tentar abrir capital em Hong Kong no início do ano. É bom lembrar que o país aprovou, em 2021, uma importante lei de proteção de dados pessoais, que foi o foco da multa. Ainda que a legislação seja recente, as sanções foram aplicadas retroativamente. Em meio ao endurecimento regulatório contra as big techs, a notícia da multa deixou o setor preocupado.
A crise não tem fim. Sim, ela, a Evergrande está de volta ao noticiário. Na sexta-feira (22), o CEO da empresa, Xia Haijun, e o CFO Pan Darong renunciaram aos seus cargos após uma investigação ter apontado desvio de fundos. Depósitos de uma subsidiária da companhia, a Evergrande Property Services, que totalizavam cerca de 2 bilhões de dólares, foram irregularmente usados como garantia pela Evergrande e em seguida confiscados por bancos, pondo em xeque a liquidez de ambas as empresas e intensificando a crise da matriz. Siu Shawn, atual diretor executivo da empresa, foi alçado a CEO e o vice-presidente Qian Cheng tornou-se o novo CFO. A dança de cadeiras veio em um momento bastante delicado para a Evergrande, que tem até o fim do mês para apresentar aos credores seu plano de reestruturação. Como mostra a Reuters, a situação do mercado imobiliário chinês preocupa analistas e o governo central, mas por enquanto Pequim não fez nenhuma movimentação para resgatar a incorporadora.
Menos crescimento, mais estímulo à infraestrutura. O baixo desempenho da economia chinesa no segundo trimestre do ano já mexeu com as previsões para o PIB do bloco de países em desenvolvimento na Ásia, que inclui economias como a Índia e o Vietnã. O Banco Asiático de Desenvolvimento cortou as expectativas de crescimento dos países em desenvolvimento da Ásia de 5,2% para 4,6% este ano e de 5,3% para 5,2%, em 2023. A instituição aponta principalmente o cenário de lockdowns em cidades chinesas, em meio à permanência da política de Covid Zero, como responsável pelo desaceleramento. O conflito na Ucrânia também pesa negativamente para o desempenho econômico menor do que inicialmente estimado.
Numa tentativa de reverter esse cenário ruim, o governo chinês tem apostado em um pesadíssimo investimento em infraestrutura para o segundo semestre do ano. A Caixin informa que serão injetados 1 trilhão de renminbi (cerca de 149 bilhões de dólares ou 800 bilhões de reais) em projetos para a área, com destaque para energia renovável, tecnologia e projetos de manejo de águas. Resta ver se o impulso vai atingir o resultado esperado.
Adeus, Jeep. Após 12 anos de joint venture com a GAC (Guangzhou Automobile Group), carros da Jeep deixarão de ser fabricados em solo chinês. A decisão, segundo anúncio feito pela Stellantis na semana passada, está ligada ao fato de a empresa não ter conseguido crescer em relação à sua contraparte chinesa. Pouco antes, os dois parceiros tiveram desentendimentos, o que você pode conferir aqui.
Lobby. A agência de notícias Reuters divulgou na última terça-feira (19) a existência de uma carta do governo chinês endereçada à ONU recomendando que seu aguardado relatório sobre direitos humanos em Xinjiang não venha a público. Na mensagem, direcionada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, verificada pela Reuters e confirmada por diplomatas de três países, o governo chinês argumenta que sua publicação poderia intensificar a politização e o confronto entre blocos em questões de direitos humanos. Além disso, outro impacto seria na credibilidade do comissariado, o que, segundo os chineses, prejudicaria a cooperação entre o escritório e os países membros. A carta estaria em circulação em busca de signatários desde meados de junho — logo após a visita de Bachelet à China. A Reuters ressalta que o documento não é incomum — é normal que países busquem apoio junto a seus pares para suas declarações em Geneva. O controle chinês sobre a circulação de informações em Xinjiang é o tema de um recém-lançado relatório do think tank Australian Strategic Policy Institute.
Torta de climão. O que não estava doce, azedou mais um pouco. Este é o sabor da relação entre China e Estados Unidos com a divulgação pelo Financial Times dos planos da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, de visitar Taiwan. As críticas de Pequim foram diretas, publicadas pela agência de notícias estatal chinesa Xinhua. Em entrevista coletiva diária no Ministério das Relações Exteriores chinês, o porta-voz responsável enfatizou aos jornalistas que o governo se opõe firmemente à visita. O presidente Joe Biden, questionado sobre o assunto, disse, citando militares, que a possível visita de Pelosi à ilha não parecia uma boa ideia no momento. Além disso, ele disse que esperava conversar com o presidente chinês Xi Jinping nos próximos dez dias.
Por falar nisso, outra notícia que não deve ter agradado muito os chineses é o rebaixamento de Macau em relatório produzido pelos Estados Unidos sobre tráfico humano. A região administrativa especial foi passada do segundo para o terceiro nível, o pior possível, ao lado de Rússia, Afeganistão e do restante do território chinês. O governo local veementemente rejeitou as conclusões do relatório, considerado parcial e “baseado em conjecturas”.
Minério de ferro sob controle. Após criar um conglomerado de exploração de terras-raras, as autoridades chinesas decidiram criar outra gigante estatal, dessa vez para a gestão dos investimentos em projetos e de compras de minério de ferro no exterior. A China é o maior consumidor do mundo da matéria prima, tendo comprado 70% das importações do mundo em 2021. A Austrália é chave no fornecimento, mas Pequim tem buscado diversificar parceiros (o que interessa ao Brasil), especialmente após o azedamento das relações com Camberra. Ao que tudo indica, o objetivo da nova empresa é ter mais peso para negociar preços, gerenciar os investimentos de produção interna e novos projetos na África, segundo uma matéria do Financial Times. Os australianos não parecem preocupados.
Impactos climáticos. As temperaturas no hemisfério norte estão altas e isso tem provocado uma série de problemas, como temos falado por aqui. Na China não é diferente e as chuvas, que tradicionalmente são mais intensas neste período do ano, têm deixado vítimas. A Xinhua mostrou que o país elevou o alerta para enchentes. Para aprofundar no tema, recomendamos esta leitura sobre o crescimento do uso do termo thermoplegia (热射病) (insolação), que ganhou destaque por acometer os profissionais vestidos de “astronautas” para testagem de Covid-19. Vale conferir essa reflexão sobre o quanto as altas temperaturas têm provocado danos e riscos para a saúde de diversos trabalhadores.
Em Hong Kong, protestos contra Pequim em estádios de futebol eram bem comuns antes da pandemia. Virar as costas para o campo e vaiar o hino nacional chinês antes das partidas (especialmente quando a seleção de Hong Kong enfrentava a seleção da China continental) eram práticas frequentes e toleradas. A DW conta como o futebol servia como traço significativo de uma identidade honconguense distinta da chinesa — era um espaço seguro encontrado por opositores de Pequim e torcedores de futebol para manifestar sua contrariedade à situação política e sua torcida pelo time local. Mas isso tudo deve ficar no passado. No bojo do recrudescimento nacionalista na região administrativa especial, foi aprovada a Lei do Hino Nacional, que prevê até três anos de prisão e multa para quem “desrespeitar” o hino. Não houve partidas de futebol em Hong Kong desde o início da pandemia, mas as manifestações políticas provavelmente serão menos barulhentas e visíveis quando os jogos voltarem. Comentaristas locais receiam, inclusive, que a liga de futebol honconguense seja absorvida pela da China continental, o que parece ser bastante provável caso o desempenho da seleção local ultrapasse o da seleção chinesa.
Não tem fim. O medo de mais quarentenas, provocadas por recorrentes surtos de Covid-19, parece ser o novo normal na China. Desde a semana passada, os alertas foram reativados, com 20 regiões com status de província registrando casos diários e ultrapassando a taxa de 400 confirmações por dia. Isso levou a novos fechamentos e restrições, inclusive para turistas em Beihai, um balneário na região autônoma de Guangxi. Mas uma das notícias que caiu nas graças das redes sociais, e dos críticos, foi a criação de braceletes de monitoramento para Covid-19, para quem estava em quarentena em casa, em Pequim. As comparações foram quase que automáticas com tornozeleiras eletrônicas, conta o What’s on Weibo.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Dica de leitura: o think tank alemão Merics publicou três artigos sobre a importância dos dados na China. O primeiro foca em dados como interesse nacional, o segundo no projeto (do qual já falamos) de mover os centros de dados para o oeste e o último é sobre a regulação dos dados que entram e saem da China.
Proibidão: a plataforma de processamento de texto chinesa WPS parece bloquear documentos que contenham “conteúdo ilegal” — e isso tem resultado no desaparecimento de rascunhos de romances inteiros.
Leitura: uma nova tradução no Reading the China Dream traz o texto da professora Pan Nini analisando a cultura de fãs online e como o nacionalismo se tornou algo recorrente entre essas fandoms de jovens na China.
Podcast: no episódio mais recente do Sinica, a entrevistada é Silvia Lindtner, que conversa sobre seu livro Prototype Nation. Dá para ler a transcrição também.
Fé no chá: uma mistura de obsessão pelo pu’er (um tipo muito específico e clássico de chá encontrado na China) e marketing online para irritar os tradicionalistas é a receita para essa matéria fascinante.
Pesquisar China: as inscrições para envio de resumos para o 6º Seminário Pesquisar China Contemporânea 2022, realizado pela Unicamp, estão abertas até o dia 01 de agosto. Ele ocorre entre 21 e 23 de setembro, em formato híbrido.