Fotografia em cores, mas dominada pelo preto e pelo branco. Em primeiro plano, um homem, na China, caminha olhando pro celular. Atrás dele, um painel de textura em ripas brancas finas sobre fundo preto.

Foto de Tim Jamieson via Unsplash

Edição 217 – Setor de tecnologia enfrenta consequências da regulação

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Tecnologia sob controle (talvez). Quem acompanha as nossas edições já está careca de saber das regulamentações no setor de tecnologia, especialmente afetando as gigantes. Por exemplo, em 2021, os robotáxis chegaram a Shenzhen para serem testados. Desde 1º de agosto, veículos autônomos privados ou comerciais podem circular em certas vias da cidade – como contamos aqui, testes vinham acontecendo desde o ano passado. A regulação sobre o uso dos veículos é um passo importante para assegurar o bom funcionamento da tecnologia, especialmente no caso de acidentes

Ainda que as recentes leis tenham trazido bons efeitos, como a proteção de dados (e a multa recente da DiDi é prova disso), elas também tiveram consequências econômicas ao restringir a atuação das gigantes de tecnologia. Com a contração das atividades, as demissões (e a ameaça delas) têm sido uma constante, como já comentamos. A Alibaba, por exemplo, reduziu sua força de trabalho de forma dramática: foram 10 mil pessoas a menos nos últimos três meses. São vários os sinais de que o inverno vem aí para muita gente no setor. Para se proteger dos perigos, tem quem esteja diversificando de um jeito peculiar – como a ByteDance, dona do TikTok, que decidiu adquirir uma empresa que opera hospitais privados na China, a Amcare Healthcare.

E é sempre bom lembrar dos usuários em meio a essa crescente transformação digital, especialmente na área de saúde. Uma matéria da Sixth Tone conta como os idosos chineses precisam enfrentar um labirinto de aplicativos em meio à campanha de Covid Zero. A falta de inclusão digital torna esse grupo marginalizado, afeta sua saúde mental e o deixa mais propenso a sofrer golpes. Para quem consegue usar os apps, o problema é outro: um hacker afirma ter roubado, a partir do aplicativo de controle de Covid-19 de Shanghai, as informações de 48,5 milhões de pessoas, entre cidadãos e visitantes, conta a Reuters. Assim como no vazamento de julho, esses dados estariam guardados numa nuvem do Alibaba, o que pode significar mais um momento ruim para a empresa.

Para fechar: a pauta em torno da economia digital é certamente uma das mais quentes quando falamos de China, com discussões sobre centralização ou experimentação local, o papel do Estado, e incentivos à pesquisa o que levou a China a se tornar uma potência acadêmica, com mais citações do que os EUA. O People’s Daily recentemente fez um apanhado de inovações de ciência e tecnologia no país na última década.

Mais sinais de crise no setor imobiliário. Há tempos que o tema vem aparecendo por aqui. A novidade é que o índice nacional de preços de imóveis sofreu uma queda de 0,1% de junho a julho. Agora já são 11 meses seguidos com casas novas com preços em queda, totalizando uma variação negativa de 1,7% nos últimos 12 meses, conforme apurou o South China Morning Post. O impacto é maior em cidades pequenas e médias, onde os preços despencaram, enquanto em cidades grandes e bastante visadas os valores dos imóveis continuam a subir. A suspensão de novas construções e o boicote ao pagamento de hipotecas por parte de compradores de imóveis, somados à desaceleração da economia, explicam parte do problema. O China Policy listou uma série de medidas que as autoridades locais vêm adotando para tentar resolver a situação no curto e médio prazo.

Pequim divulgou um novo white paper sobre Taiwan. Com o noticiário internacional sobre Taiwan aquecido devido à visita de Nancy Pelosi na semana passada, Pequim divulgou seu primeiro documento envolvendo o Estreito desde que Xi Jinping assumiu o poder. Também é apenas o terceiro da história, tendo o primeiro sido publicado em 1993 e o segundo em 2000. O texto traz a reunificação como uma prioridade para a China continental e, ainda que priorize um processo pacífico, não descarta o uso da força. Como justificativas, são destacados a relação histórica entre continente e ilha e, segundo Pequim, o argumento de que a reunificação seria a única forma de evitar invasões estrangeiras a Taiwan. Ainda que os três documentos não tenham mudanças significativas entre si, como aponta Amanda Hsiao neste fio, há um indicativo na versão mais recente de que a ilha poderia ter menos autonomia. Ela faz esta interpretação ao observar que Pequim não repetiu a afirmação de que, após a reunificação, não enviaria tropas ou equipe administrativa para Taipei, como ocorreu nas versões anteriores.

Os laços com países em desenvolvimento se aprofundam. No início do mês, a China anunciou que eliminará, a partir de setembro, as tarifas de importação sobre bens produzidos nos países menos desenvolvidos. Laos e Camboja, no sudeste asiático, estão entre os países beneficiados. Segundo noticiou o South China Morning Post, 98% das tarifas serão extintas, cobrindo cerca de 8.800 produtos diferentes.

Contudo, a proximidade entre Pequim e países em desenvolvimento não vem agradando o Fundo Monetário Internacional (FMI). Países que tomam empréstimos da China para financiar a construção de infraestrutura estariam sendo pressionados pela organização para tornarem os termos dos contratos mais transparentes, sobretudo para agências internacionais. Para o FMI, seria importante que os contratos passassem por maior escrutínio internacional para que seja possível fazer melhores avaliações sobre a sustentabilidade das dívidas externas dos países menos desenvolvidos.

Bye, Wall Street. Grandes empresas chinesas planejam fechar capital na Bolsa de Nova York. De acordo com o The Wall Street Journal, estatais ligadas aos setores petroquímico e de seguros estudam a saída do mercado estadunidense por dificuldades em cumprir exigências legais para se manterem com capital aberto por lá. A China e os EUA discordam há tempos sobre a temática. A história lembra o que aconteceu recentemente com a Didi, que trocou Nova York por Hong Kong.

Chips, cadeias de suprimento, segurança regional e cultura foram alguns dos temas tratados na mais recente reunião bilateral de alto nível entre China e Coreia do Sul. O ministro das relações exteriores, Wang Yi, encontrou-se com Park Jin, sua contraparte sul-coreana, em Qingdao na terça-feira (9). Segundo o The Chosun Ilbo, entre os temas mais urgentes para Pequim estavam a presença militar estadunidense no leste asiático e a possível participação de Seul na “Chip 4”, uma proposta de aliança liderada por Washington para a produção de chips com o intuito de reduzir a dependência de insumos chineses. O governo chinês anunciou e comemorou que Park se comprometera a não expandir a participação da Coreia do Sul em sistemas antimísseis dos EUA, o que foi parcialmente desmentido pelo governo sul-coreano ao longo da semana, que admitiu a intenção, mas não a existência de acordos ou promessas, conforme noticiou a Yonhap. O aparente mal entendido expõe a difícil posição em que a Coreia atualmente se encontra, dividida entre China e EUA.

Falando em presença estadunidense, o país norte-americano anunciou treinamentos militares com a Índia na fronteira com a China. A região onde ocorrerão os exercícios, em outubro, é perto de uma área disputada, que foi alvo de confrontos entre soldados chineses e indianos em 2020. Provavelmente não é coincidência o anúncio, alguns dias após a visita de Pelosi e das manobras militares realizadas pela Força Aérea da China em torno da ilha de Taiwan. Aliás, mais uma delegação de cinco congressistas estadunidenses pousou em Taipei ontem (14). Eles irão se encontrar com Tsai Ing-wen e inclui membros do Partido Republicano e Democrata. As autoridades chinesas se manifestaram, criticando a visita e respondendo com mais manobras aéreas em torno.

Um dos casos mais famosos do movimento MeToo na China enfrentou uma nova reprovação. Na última quarta-feira (10), Zhou Xiaoxuan (também conhecida como Xianzi) teve seu recurso rejeitado. Ela acusa de assédio sexual o famoso apresentador da CCTV Zhu Jun. Segundo a corte, as provas apresentadas pela acusação seriam insuficientes — mesmo motivo pelo qual seu processo foi rejeitado há quase um ano, como contamos. Zhou declarou que já esperava pela negativa do tribunal, mas que espera que seu caso possa contribuir para avanços nesse tema. Como já contamos por aqui, o país está revisando sua Lei de Proteção dos Direitos e Interesses das Mulheres e deve incluir especificações sobre o que configura assédio sexual. Vale ler esta breve análise de Adam Ni e Brian Wong, publicada pela Neican, sobre a ação estatal em relação aos direitos das mulheres à luz de acontecimentos recentes, como o caso de Tangshan.

So long, farewell. Hong Kong continua encolhendo. Segundo o Departamento de Censo e Estatísticas, 113 mil residentes deixaram a região no último ano, uma redução de 1,6%. Essa é a maior queda desde que os registros se iniciaram, em 1961. Também houve uma diminuição significativa no número de nascimentos. O governo atribui a evasão às medidas de restrição contra a Covid-19, mas, como destaca o Hong Kong Free Press, a queda populacional pode ser observada desde as manifestações de 2019. Com base em dados do governo, a Al Jazeera publicou nesta semana um levantamento indicando que mais de 10 mil pessoas foram presas por envolvimento com os protestos — inclusive, vale passar um cafezinho e ler o texto todo. Mas é possível que as coisas melhorem, ao menos para o PIB: o governo anunciou um relaxamento das regras de quarentena para os recém-chegados do exterior: três dias em hotéis designados, seguidos de quatro dias de monitoramento. A expectativa é de que Hong Kong volte a fazer jus ao slogan “Asia’s World City”, que já parece mais adequado para descrever Cingapura.

Acabou o veraneio. A ilha de Hainan, conhecida como popular destino de verão de chineses no Mar do Sul da China, enfrenta fechamentos devido a quase 7.800 casos de uma subvariante da ômicron desde o início do mês de agosto. As contas dos atingidos variam, mas estima-se que entre 80 e 178 mil pessoas ficaram em lockdown desde o dia 6, passando ao menos uma semana em isolamento e realizando testes de Covid-19. Outras cidades também impuseram medidas restritivas de deslocamento, como redução de transporte público, de circulação na rua e de vôos. O jornalista Wang Xiangwei, ex-editor do SCMP, escreveu sobre a sua experiência e da sua família, trancados na ilha apesar de meia dúzia de testes negativos. As autoridades afirmam que os casos possivelmente teriam sido causados por importações do setor de pesca. Além de Hainan, um aumento de infecções também vem sendo notado nas regiões do Xinjiang, que pediu fechamentos na capital Urumqi, e no Tibete, onde o governo pediu a construção de hospitais temporários.

Desafiando questões de gênero. Não é só na China que profissões ligadas ao cuidado são normalmente ocupadas por pessoas do gênero feminino. A newsletter Gushi traz a história de Xu Qianming, um homem de 42 anos que tem mais de seis anos de experiência trabalhando como babá. Ao explicar como entrou neste mercado, Xu conta que se viu sem muitas alternativas depois de ter sofrido um acidente de trabalho que o deixou sem condições físicas de exercer tarefas que exigem força. Sem formação específica em nenhuma carreira, ele se viu obrigado a procurar por alternativas. Foi então que um primo seu o convidou para trabalhar com ele como babá.

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Teste: qual seria seu crédito social em Rongcheng? O China Law Translate permite descobrir nesta simulação. O sistema da cidade se destaca por ser bem diferente do nacional, como é explicado aqui.

Futebol: a ida de Oscar para o Flamengo, deixando pra trás o campeonato chinês, é apenas mais um caso que evidencia o fim de uma era do futebol no país. O SupChina explica por que tantos jogadores estão saindo da China para jogar em ligas de outros países.

Aumenta o volume: ouça a canção em espanhol e mandarim do rapper porto-riquenho Residente (conhecido como vocalista da banda Calle 13) com  Duan Ya Wen. Essa mistura de América Latina com China foi escrita durante a viagem de Residente para Pequim.

Bu! Chegou o Festival dos Fantasmas Famintos. Fu Mengxing explicou na Sixth Tone como as histórias de fantasmas foram se perdendo na China moderna. Este podcast também discute como a urbanização se relaciona com as práticas funerárias e a morte na China – inclusive nessas histórias. 

A cara da mudança: os registros fotográficos (coloridos!) de um alemão na China na década de 60 viraram o livro Traces of Change. A matéria do Neocha conta essa história e traz algumas das imagens. E no site do livro tem uma seção comparando algumas fotos da época com os mesmos lugares hoje em dia.

Estética de burocracia: o look dos antigos burocratas chineses é relativamente bem conhecido, mas a tendência entre jovens agora são os uniformes usados por servidores públicos, conta a matéria da Radii.

 

Imagem de fundo vermelho com texto em branco. Caracteres chineses cujo pinyin é 神出鬼没 ou Shén chū guǐ mò.
神出鬼没 ou Shén chū guǐ mò significa, literalmente, “aparecer como um deus e desaparecer como um fantasma” e é para falar para aquela pessoa que não posta foto na rede social, que aparece do nada nos eventos, some sem dar explicação e fica sendo misteriosa demais.
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