Edição 220 – ONU publica relatório sobre Xinjiang com críticas a Pequim
Agora tem data. Evento mais esperado do ano (pelo menos pelos sinólogos), o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista foi marcado para 16 de outubro. As expectativas são altas sobre a provável confirmação do presidente Xi Jinping para um terceiro mandato, rompendo uma tradição firmada durante a gestão de Deng Xiaoping de limitar a presidência a dois mandatos. A imprensa internacional também acompanha com atenção os eventos que antecedem o evento, chamado pela Reuters de “a coroação de Xi”. Aguardamos próximos anúncios e desdobramentos.
A crise dos bancos rurais em Henan é pauta desde abril. Agora, o South China Morning Post conta que mais de 230 pessoas foram presas no que é considerado um massivo escândalo de banco rural. Pessoas ao longo do território chinês foram vítimas do esquema que tinha na província de Henan seu foco central. A gangue responsável por aplicar o golpe prometia, sem dar detalhes taxas de rendimento muito superiores às pagas pelo mercado. Além de confirmar as prisões, a polícia diz agora estar trabalhando para recuperar os recursos perdidos pelas vítimas.
Como a China reagiu à morte de Gorbachev? Se, por um lado, a figura do ex-líder soviético é aclamada em boa parte do Ocidente, por outro, essa exaltação não faz eco na China, onde Gorbachev é visto como um exemplo a ser evitado, por ser considerado o responsável pelo fim da URSS. A imprensa chinesa, como o Global Times, adotou um tom menos elogioso em relação ao ex-líder da antiga potência comunista, dizendo que analistas têm “sentimentos controversos” sobre a atuação dele. Para entender melhor como a China se relaciona com o legado de Gorbachev, vale passar um cafezinho e ler o texto de Marcelo Ninio para O Globo.
Possíveis crimes internacionais. Na quarta-feira (31), em seus últimos minutos como alta comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet publicou o aguardadíssimo relatório sobre Xinjiang que estava pendente há um ano. Como resumiu uma análise do Politico, o documento apontou sérias violações de direitos humanos contra uigures e outras minorias muçulmanas em Xinjiang, que possivelmente constituiriam crimes internacionais, particularmente contra a humanidade. Como mecanismos utilizados contra essa população, foram identificados centros de detenção, separação familiar, violência sexual, vigilância digital, trabalho forçado e controle de natalidade.
Apesar da ausência do termo “genocídio” ao longo das 48 páginas do documento, ativistas consultados pela AlJazeera consideram a publicação uma vitória que pode revolucionar a forma como membros da ONU lidam com a questão. O secretário-geral da organização António Guterres expressou sua expectativa de que a China siga as recomendações feitas na conclusão do parecer. O governo chinês, no entanto, declarou que o relatório é composto de mentiras e fabricações, além de interferir com questões internas e distorcer a luta nacional contra o terrorismo. Como comentamos em julho, diplomatas chineses vinham fazendo lobby para evitar que o relatório viesse a público. Apesar disso, após sua divulgação, nenhuma restrição parece ter sido criada para que a população chinesa tenha acesso a ele na internet, como observou o China Media Project.
Como anda o novo tratado regional de livre comércio da China? Em vigor desde o início do ano, a Parceria Econômica Abrangente Regional (RCEP, em inglês) ainda não mostrou vantagens imediatas, segundo um balanço publicado pelo SCMP. O acordo de liberalização comercial, que abrange quase ⅓ da população e do PIB mundiais, deve apresentar benefícios dentro de alguns anos, de acordo com especialistas consultados pelo jornal. Por enquanto, o acordo serve mais para centralizar e unificar as regulamentações comerciais dos países membros. Conforme a matéria, reduções tarifárias de maior impacto são melhor viabilizadas por meio de acordos bilaterais de livre comércio, como o recém-assinado entre China e Camboja. Por ter muitos signatários (15 países da Ásia e da Oceania), o RCEP manteve muitas barreiras comerciais intactas. Apesar disso, o balanço indica que, não fosse o acordo, a economia da região provavelmente estaria tendo um desempenho pior em 2022. No final de agosto, a Indonésia ratificou sua adesão ao bloco.
Ainda no tema de comércio internacional, durante a pandemia, a China manteve-se na liderança como principal provedor de bens manufaturados para a União Europeia, EUA e diversos outros países, como mostra o The Wall Street Journal. As exportações chinesas para o mundo cresceram mais proporcionalmente do que as de outros países, como Japão e Alemanha. Apesar disso, a atual crise imobiliária e os lockdowns pandêmicos podem comprometer a posição chinesa.
O Brasil foi o país que mais recebeu investimentos chineses em 2021. Foram cerca de 5,9 bilhões de dólares (cerca de 30,5 bi de reais), o segundo maior aporte financeiro da China no país na história. Os setores de TI, petróleo, energia e finanças compõem o cada vez mais diversificado portfólio de investimentos chineses no Brasil. Os dados foram compilados em análise conduzida por Tulio Cariello e publicada pelo Conselho Empresarial Brasil-China. A respeito das relações bilaterais pós-eleições brasileiras, Thiago de Aragão argumentou no Estadão E-Investidor que, embora Lula seja preferido (como já comentamos na semana passada), tanto faz para Pequim quem vai vencer a presidência, porque a dependência econômica do Brasil em relação à China garante a estabilidade da relação.
Muy bien. Foi anunciado um acordo de 27 milhões de dólares entre o governo de Catamarca, província da Argentina, e a empresa chinesa Jinyuan para industrializar a exploração de lítio no norte do país latino-americano. A negociação prevê a exportação de 50 mil toneladas do material nos próximos anos, além de transferência de tecnologia. A mineração faz parte de um dos principais focos de investimentos feitos no país por empresas chinesas no último ano. A China é o maior produtor mundial e domina a cadeia de suprimentos das baterias de lítio, graças também à bem-sucedida indústria chinesa de carros elétricos — como explica esta matéria da Wired. Com a crise energética, o setor anda extremamente lucrativo. Argentina, Bolívia e China formam o importante triângulo do lítio no continente, que já é um foco da China para investimentos — como vimos no anúncio da compra da argentina Lithea pela Ganfeng Lithium em julho. Os três países vêm discutindo como melhorar a gestão desses recursos, como explica este texto no Diálogo Chino.
Sem trégua, política de Covid Zero fecha número recorde de cidades. Depois de Henan e Chongqing, novos casos de Covid-19 atingiram todas as províncias chinesas e ao menos 33 cidades enfrentam fechamentos de algum tipo, conta a Caixin. É o maior surto desde início de 2021, segundo a Bloomberg, ainda que alguns locais tenham poucos casos. A capital de Sichuan, Chengdu, entrou em lockdown no dia 1º de setembro, já organizando quatro dias de testagem em massa para seus 21 milhões de habitantes. A preocupação levou pessoas às já famosas compras desesperadas, especialmente em supermercados. Ao sul, em Shenzhen, ao menos oito distritos foram parcialmente fechados – e teve quem decidisse fugir da cidade para escapar de quarentenas, conta o SCMP.
A nova onda de infecções vem em meio à decisão de facilitar a emissão de vistos de negócios de membros da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico e vistos para estudantes internacionais, especialmente os que regressam ao país. Como já comentamos, a saúde mental é uma preocupação constante em meio a esses momentos de isolamento — especialmente entre jovens. A China também acaba de se tornar pioneira ao aprovar uma vacina por inalação contra Covid-19 – que parece ser uma das melhores alternativas para combater a variante ômicron, conta a Fortune.
Cidades e vilarejos chineses estão tendo que aprender a conviver com animais selvagens. Nos últimos anos, têm se tornado cada vez mais frequentes as aparições de tigres, leopardos, ursos e elefantes em locais onde há presença humana. A Sixth Tone conta que a aplicação mais dura das leis ambientais no país, que proíbem matar animais em risco de extinção mesmo que representem perigo no meio urbano, tiveram o duplo efeito de permitir um crescimento da população desses animais e fazer com que perdessem o medo de humanos.
The Big Bang Censorship. Qual o resultado final das edições feitas pelo governo chinês em séries estadunidenses que vão ao ar na China? A repórter de dados Manyun Zou explorou a questão em uma análise de 100 episódios de The Big Bang Theory para a publicação digital The Pudding. Desses, 77 passaram por alguma edição, com a remoção de 206 cenas individuais. O que a análise revela não chega a ser uma surpresa: os principais assuntos suprimidos dizem respeito a comentários (às vezes racistas) sobre a China e seus aliados, como Coreia do Norte e Rússia, assuntos relacionados a sexo e menções a pessoas LGBTQIA+ – como já havia sido observado em episódios da série Friends. Vale dar uma olhada no ensaio visual e conferir como é a experiência de assistir a esses episódios picotados.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
UFC chinês: a Sixth Tone conta como competir pelo UFC se transformou de um sonho inimaginável em realidade para Lu Kai.
$$$: a internacionalização da moeda chinesa e o financiamento de projetos da Iniciativa Cinturão e Rota são temas de um texto exclusivo para o nosso site, de autoria de Isabelle Carvalho e Carlos Eduardo Carvalho.
Tão ruim que é bom: uma comédia situada na cozinha imperial da dinastia Ming, o seriado O sabor do destino é a primeira produção em mandarim do Disney+ e estreou há pouco. Porém, não vem agradando nem o público nem a crítica, mas, cá entre nós, ele se tornou um guilty pleasure da equipe.
Podcast: vale conferir o episódio de The China History Podcast especial sobre a Cidade Proibida, com participação do pesquisador Jeremiah Jenne (que organiza tours históricos em Pequim).
Arquitetura: o escritório de arquitetura Aedas inaugurou na semana passada, em Chongqing, o arranha-céu mais retorcido do mundo. Chamado de Dance of Light, o prédio remete à dança das luzes de uma aurora boreal.
Feliz aniversário: o cantor Zhou Shen divulgou o clipe da canção Dreams, gravada para comemorar os 25 anos do lançamento de Pokémon. Não deixe de conferir a combinação de instrumentos tradicionais chineses com os monstrinhos.