Edição 234 – China leva à OMC disputa por chips com EUA
A despedida do código verde? Além do fim das quarentenas e dos testes constantes, a decisão do governo chinês de acabar com a política de Covid zero trouxe mais uma grande mudança para o dia a dia de quem vive no país: a extinção do código verde que liberava a circulação de pessoas por cidades e estabelecimentos. Se o fim de sua exigência pode significar um alívio para quem vive na China, o debate que ainda permanece é sobre o uso e armazenamento dos dados coletados durante a pandemia. A Caixin afirma ter tomado conhecimento de que eles serão apagados — uma demanda que ganhou força no debate público.
Timing. Hong Kong aproveitou a deixa da China continental e, a partir desta quarta-feira (14), também abriu mão de testagens recorrentes em recém-chegados e do esquema de restrição de circulação por QR code colorido. Muita gente ficou feliz, mas teve quem pensasse no jóquei japonês Take Yutaka: contrário ao uso de celulares, há apenas uma semana, aos 53 anos, ele foi obrigado a comprar seu primeiro smartphone para usar o aplicativo honconguense de rastreamento, uma condição para poder competir na cidade.
Novos casos preocupam. O relaxamento da política de Covid Zero deu um susto em parte da população, rendendo discussão. Ainda que tenha iniciado flexibilizações em novembro de forma gradual, o governo acelerou o processo nas últimas semanas. A mídia estatal parece estar adaptando o discurso: esta postagem mostra uma citação da CCTV dizendo que Covid não é algo a ser temido. Mas o vírus segue existindo e a flexibilização já antes dos protestos pode ser uma das explicações para uma onda de novas infecções levando muita gente a hospitais para consultas médicas, como conta essa matéria da Caixin. Em editorial, o veículo pede que o país melhore as capacidades médicas para garantir uma transição mais tranquila. Vídeos de clínicas cheias de pessoas apresentando sintomas estão circulando pelas redes, como mostra o What’s On Weibo, mas médicos e autoridades pedem que pessoas com casos leves fiquem em casa.
Outra mudança importante foi a decisão do governo de parar de contar os casos assintomáticos, que são maioria. Em Pequim, a situação parece estar sob controle nas clínicas, mas há relatos também de ruas e transporte público esvaziados — possivelmente motivados pelo medo de infecção. Para Feng Zijan, ex-vice-diretor do Centro de Controle de Doenças da China, essa nova onda pós-abertura já era esperada.
China vai à OMC contestar política de chips dos EUA depois de uma escalada na disputa pela indústria de semicondutores. De acordo com anúncio feito pelo Ministério do Comércio na segunda (12) em Pequim, “há um claro gesto de protecionismo” por parte dos EUA. O apelo à OMC ocorre dois meses após Washington aprovar uma legislação que limita o acesso da China ao mercado de microchips, área em que a segunda maior economia global é bastante dependente do mercado externo. Na esteira dessa decisão, a Reuters noticiou que a China prepara um pacote de 143 bilhões de dólares para a indústria de chips como forma de enfrentar a ofensiva norte-americana. Além disso, Pequim pediu a Seul para que o governo vizinho se oponha à ação estadunidense no setor de semicondutores.
Os ventos sopram em direção ao mundo árabe. Após firmar um grande contrato com o Catar (e antes da vitória do Marrocos sobre Portugal na Copa), Xi Jinping fez uma viagem de três dias à Arábia Saudita. O líder chinês chegou a Riad na quarta-feira (7), quando foram assinados 34 acordos de cooperação e investimento totalizando cerca de US$ 30 bilhões (aproximadamente R$ 160 bi) em diversas áreas: petróleo, habitação, ensino de mandarim, hidrogênio verde, logística e TI, entre outras. A Xinhua destacou a aproximação política entre os dois países, que, na quinta-feira (8), firmaram um acordo de parceria estratégica. Nesse tratado, China e Arábia Saudita buscam harmonizar seus projetos de desenvolvimento, a Iniciativa Cinturão e Rota e o Visão 2030 respectivamente. No último dia de viagem, na sexta-feira (9), pela primeira vez foram realizadas reuniões de cúpula China-Conselho de Cooperação do Golfo e China-países árabes. Para o The Diplomat, o professor Wang Jin argumenta que a visita representa o início de uma nova era nas relações da China com o mundo árabe.
Nessa viagem, chamou atenção a declaração de Xi pedindo aos países do golfo árabe que passem a usar mais a Bolsa de Shanghai para Petróleo e Gás para negociar os hidrocarbonetos em renminbi. Nesse contexto, a CNBC conversou com o pesquisador Gal Luft, que considera que China e Arábia Saudita já estão removendo o dólar estadunidense de suas relações comerciais bilaterais. O Wilson Center também aproveitou o timing da viagem de Xi para lançar o livro da pesquisadora Lucille Greer sobre a inserção chinesa no Oriente Médio e como Pequim se posiciona na rivalidade entre Irã e Arábia Saudita. Já o Asia Times analisou a aproximação sino-saudita no contexto das relações dos EUA com o Oriente Médio.
Soldados de China e Índia voltaram a se confrontar em fronteira disputada. A altercação aconteceu na sexta-feira (9) no território de Arunachal Pradesh e foi rapidamente contida pelas duas partes. Segundo autoridades indianas, não houve fatalidades e o Ministério das Relações Exteriores da China alega que a situação está estável e sob controle. A partir de fontes indianas, a CNN reporta que soldados chineses tentaram adentrar território controlado pela Índia, mas teriam sido contidos. Comandantes locais teriam agido rapidamente para controlar a situação. Não foram dados mais detalhes sobre a confrontação, que foi a primeira a ocorrer desde 2020, quando dezenas de combatentes indianos e chineses foram mortos. A zona fronteiriça disputada entre China e Índia frequentemente é palco de confrontos não físicos entre soldados dos dois lados e nas redes sociais indianas está circulando um vídeo que exemplifica a tensão constante. Quer entender o que está em jogo? O AsiaGlobal Online publicou uma análise de Genevieve Donnellon-May sobre o papel que a água tem no conflito. Vale um cafezinho.
A representação política de minorias étnicas no Comitê Central do PCCh atingiu os números mais baixos da última década, segundo análise do South China Morning Post. Entre os atuais 205 membros plenos do comitê, nove são de alguma minoria — em sua formação anterior, o número era de 17 representantes entre 204 membros. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a estratégia de Xi Jinping seria de eliminar as distinções entre os grupos étnicos para criar uma identidade nacional unificada. Um dos novos membros do Politburo, nível mais alto do PCCh, é Shi Taifeng, conhecido por implementar na Mongólia Interior políticas de priorização nas escolas do putonghua em detrimento de línguas ou dialetos locais, uma estratégia importante de assimilação que vem sendo aplicada também em Xinjiang, Hong Kong e no Tibete — região autônoma à qual a mídia estatal chinesa passou neste ano a se referir pelo nome em mandarim, Xizang.
Silêncio, por favor. Quem mora em grandes cidades sofre com o barulho. O governo chinês está ciente disso e avisou que lançará em breve uma proposta de um plano de três anos para controle da poluição sonora, conta o China Dialogue. O plano anunciado pelo Ministério da Ecologia e do Meio Ambiente é inédito no país e prevê que 85% das áreas do país obedeçam os limites de som durante a noite — atualmente o número está em 82,5%. Ele será aplicado em zonas industriais e residenciais. O país já possui legislação sobre o tema desde 1997, tendo sido revisada em 2018 e 2021 (entrando em vigor em 2022). A revisão causou polêmica na época, visto que nem as senhoras de meia-idade que dançam em praças escaparam (o que muitos vizinhos acharam ótimo).
Mas não é só o som que prejudica. Há dois meses, Shanghai inovou no país ao ser a primeira cidade a lançar um plano para prevenção da poluição luminosa, citando preocupação ambiental com residentes. O impacto da redução da luminosidade também vai ser positivo para os pássaros, especialmente migratórios, o que Yuhan Niu explica nessa matéria do China Dialogue.
No meu tempo que era bom. Em um interessante relato, esta reportagem da Sixth Tone conta como a chegada de jovens chineses da Geração Z (pessoas nascidas após os anos 2000) ao mercado de trabalho tem assustado os empregadores. Assim como acontece em diversos lugares do mundo, cada vez mais trabalhadores jovens parecem estar menos dispostos a abaixar a cabeça para mudanças não esperadas nas regras de trabalho. Um exemplo contado no texto é o de Meng Ling, que se queixou após ver seu salário reduzido em mais de mil yuans em relação ao valor combinado na entrevista.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Culinária: a Tasting Table publicou um miniguia para entender melhor as características das diferentes cozinhas regionais chinesas e, de brinde, uma lista de 20 pratos imperdíveis.
Sobe o som! Os lançamentos musicais para embalar o final do ano foram tema da Radii China. O pop psicodélico da Trap the Moon e o pós-punk do EP Software Hellhole da Berlin Psycho Nurses estão entre nossos favoritos.
Fotografia: na exposição Performing Tibetan Identity, a artista Nyema Droma questiona a representação de sua etnia em fotografias ao longo do tempo através de uma série de fotos que contrastam a expressão da identidade pessoal e o uso de roupas tradicionais.
Código secreto: o the China Project traz uma entrevista com a diretora Violet Du Feng, sobre o documentário Hidden Letters (Cartas escondidas), que fala sobre uma escrita feita em código entre mulheres
Mais que amigos, friends: após um tempo fechada, a tradicional livraria Uchiyama, fundada em 1917, abriu as portas novamente em Pequim e agora com o nome original. Seu fundador foi Kanzō Uchiyama, ativista japonês e amigo do escritor Lu Xun. Este podcast com Joshua Fogel conta mais sobre essa amizade.