Edição 251 – Moeda chinesa ganha força
Ó o renminbi aí! Pela primeira vez, a moeda chinesa ultrapassou o dólar estadunidense como a moeda mais utilizada para transações internacionais na China, segundo dados da Agência Estatal de Câmbio. Pagamentos e receitas transfronteiriças em renminbi alcançaram cerca de 48% de todas as transações com o exterior — somando um valor equivalente a aproximadamente 550 bilhões de dólares —, enquanto a participação da moeda estadunidense caiu para 46,7%, conforme relata a Reuters. Nos últimos anos, a China vem promovendo o uso de sua moeda no comércio exterior para impulsionar sua internacionalização. Porém apenas 4,5% de todas as transações globais são feitas em renminbi, já o dólar está presente em cerca de 84% delas. Apesar da pequena parcela, aos poucos a internacionalização do renminbi vai progredindo: em abril, o Bangladesh decidiu usar a moeda chinesa para pagar suas dívidas com a Rússia, e a Argentina divulgou que usará o renminbi nas importações de bens vindos da China. O pesquisador Daniel McDowell explica neste fio por que essas movimentações ainda são raras e, em geral, impulsionadas por fatores políticos, e não de mercado. No Brasil, Luiza Peruffo, André Cunha e Andrés Ferrari publicaram uma análise sobre o processo global de desdolarização e o papel dos BRICS em geral, enquanto Bruno Salama e Alexandre Coelho trataram especificamente do lugar do Brasil na questão.
Dando um gás na adoção do renminbi digital, a cidade de Changshu, na província de Jiangsu, anunciou que passará a pagar 100% dos salários de seus funcionários públicos com a moeda digital a partir deste mês. Apesar do e-CNY ter sido testado em 23 cidades, ser aceito em diversos apps de e-commerce e até ter sido usado nas olimpíadas de inverno no ano passado, a ampla adoção da moeda ainda é um desafio. Desde o início da iniciativa em dezembro de 2019 até agosto de 2022, o e-CNY movimentou 100 bilhões de renminbi, ou 14 bilhões de dólares, segundo o Bank of China — o que, como o South China Morning Post indica, é apenas um terço do que o Alipay movimenta diariamente. Uma das razões apontadas para a falta de entusiasmo seria a familiaridade que os consumidores chineses já têm com outras soluções de pagamento digital. Para o governo chinês, no entanto, as vantagens do renminbi digital são claras: reduzir a dependência do dólar estadunidense e centralizar os dados das transações financeiras, hoje um privilégio de outras plataformas de pagamento.
Tava ruim, agora parece que piorou. Está ficando mais difícil estudar a China por meio de materiais produzidos por chineses. No começo de abril, o repositório de artigos acadêmicos chinês CNKI (Infraestrutura Nacional de Conhecimento da China), que dá acesso a 95% dos papers chineses, passou a bloquear acessos estrangeiros a algumas bases de dados. Esta semana, segundo noticiado pelo The Wall Street Journal, a Wind Information Co., uma base de dados sobre economia e finanças, também passou a limitar pesquisadores internacionais. As possíveis explicações para essas mudanças variam entre adequação à lei de proteção de dados de 2021 e preocupações com a segurança nacional. Na semana passada, foi aprovada uma revisão da lei antiespionagem, que amplia a definição do crime. Também parece haver um aumento nos relatos e registros de estrangeiros impossibilitados de deixar a China e um revival do tradicional desaparecimento de livreiros e editores, sendo o caso mais recente o de Li Yanhe, da Gusa Publishing de Taiwan.
Pegou gosto. Pequim parece ter se empolgado com o papel de mediação de paz. Não bastasse Arábia Saudita-Irã e a guerra na Ucrânia, o país agora aponta um interesse em mediar o conflito no Iêmen. Este texto no The Diplomat conta como o governo chinês aproveitou a reunião do Conselho de Segurança da ONU no dia 17 para se parabenizar pelo sucesso da mediação no Oriente Médio e demonstrar interesse em tentar estabilizar a guerra civil que assola o Iêmen desde 2014. Não são apenas palavras: os diplomatas chineses, liderados por Shao Zheng, estão atuando nos bastidores desde o último mês. Outra demonstração de interesse chinesa foi a de atuar no complicado processo de paz entre Israel e Palestina.
Esse novo papel é um bom demonstrativo das mudanças geopolíticas dos últimos anos — e inclusive do que o novo mandato de Xi Jinping parece se propor a fazer no cenário internacional. As recentes visitas de Macron e Lula geraram muito debate sobre as diferentes importâncias de cada líder — também por Lula ter sido recebido com mais interesse do que o presidente francês. Um artigo de opinião no Financial Times também adota uma lógica parecida para falar da relação Sul–Sul e das potencialidades dessa associação, que seria um dos resultados da competição entre a China e o Ocidente. Esta edição do China Media Project/Sinocism desenvolve o argumento de como o discurso político doméstico também aproveita essa atuação global.
A China acusou os EUA de estarem aumentando a tensão na península coreana deliberadamente, “minando a paz regional” e “provocando uma confrontação” com a Coreia do Norte, segundo matéria da DW. O comentário foi feito por Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, na quinta-feira (27), na esteira de uma visita oficial do presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol a Washington. Na quarta (26), o presidente dos EUA, Joe Biden, havia ameaçado o “fim” de Pyongyang, que testou novos mísseis intercontinentais em abril, caso essa lance um ataque nuclear contra a Coreia do Sul ou o território estadunidense. Mao pediu que todas as partes adotem posturas construtivas para resolver a questão pacificamente e condenou o novo acordo de cooperação militar entre Seul e Washington por seguir uma “mentalidade de Guerra Fria” e “ignorar a segurança regional”. Com isso, a relação bilateral China–Coreia do Sul parece estar azedando: o Global Times publicou um artigo de opinião bastante crítico a Yoon, chamando-o de “lacaio dos EUA” e pouco amistoso para com Pequim.
Do outro lado do Pacífico, a “mentalidade de Guerra Fria” parece ganhar força. Conforme artigo publicado no The Hill, o “sentimento anti-China” está ganhando força nas capitais estaduais dos EUA, com muitos estados discutindo a adoção de medidas restritivas a pessoas e empresas chinesas, mesmo que prejudiquem comunidades locais e impactem negativamente a economia. O Texas, por exemplo, discute proibir que chineses comprem terras no estado e que as universidades texanas aceitem matrículas de estudantes chineses.
Vizinhos. O ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, visitou Mianmar na terça-feira (02), marcando a primeira reunião bilateral de alto nível desde o golpe militar de 2021 no país vizinho. Gang encontrou-se com o líder da junta militar, mas não fez nenhuma declaração de reconhecimento oficial do governo golpista por parte de Pequim. Apesar disso, o representante chinês comprometeu-se com investimentos em infraestrutura e em outros setores no país vizinho, sinalizando uma reaproximação.
Imortalidade por IA. Além de todas as outras coisas que o avanço no uso de Inteligência Artificial trouxe, complexificar o processo de luto parece ser algo para adicionar na lista. Um jovem engenheiro na China descobriu bots criados para imitar conversas com entes queridos que já faleceram e decidiu criar um do seu avô. Insatisfeito com a primeira versão em conversa, Yu foi elaborando e buscando adicionar mais detalhes com mensagens de textos e cartas — até que levou o resultado para a sua avó assistir. Após um longo trabalho, Yu decidiu deletar e dar o seu adeus também ao avô. Vale ler a história na Sixth Tone e refletir sobre o papel dessa tecnologia — e não esquecer das discussões sobre regulação de IA generativa no país.
As metas ambientais da China foram um dos temas do nosso cafezinho passado, bem como uma discussão sobre como lidar com diversos desses desafios. Uma das maiores questões que surge, inclusive no âmbito da relação bilateral Brasil e China, é o equilíbrio entre políticas ambientais e políticas para garantir a segurança alimentar, como discute este texto de You Xiaoying do China Dialogue. Na matéria, You apresenta a história do chef Li, que criou um bistrô sustentável na cidade de Dali, e como a redução de desperdício de comida e a alimentação saudável são pautas do governo chinês – mas que deve também ser papel dos consumidores.
Oops. Na semana passada, a mídia especializada em games e em China noticiava: os 14 anos de colaboração entre a NetEase e a estadunidense Blizzard estariam sendo encerrados na justiça, com a empresa chinesa pedindo 45 milhões de dólares de compensação por reembolsos e perda de lucros cessantes. Repórteres tentaram obter declarações dos envolvidos, mas apenas a Blizzard se manifestou, alegando surpresa com a notícia, embora ainda não tivesse sido oficialmente notificada. Não era sem razão: a revista PC Gamer revelou que, na verdade, o processo foi apresentado à justiça de Shanghai por Yang Jun, um homem sem qualquer vínculo com a NetEase, mas que curte abrir processos. Por conta de um mal entendido na abertura do processo, a empresa chinesa acabou sendo listada como colitigante nos documentos públicos.
Bem na foto: o quadro de Mao Zedong que marca a Praça da Paz Celestial em Pequim não foi novidade do líder. Este fio conta como a prática nasceu na época da república sob o Kuomintang.
Não é só frase de parachoque: no sábado (29) em Langfang, cidade da província de Hebei, foi aberta uma exposição de arte de caminhões paquistanesa. Boleias e carrocerias muito enfeitadas marcam essa inusitada mostra que celebra o ano do turismo sino-paquistanês.
Neon à flor da pele: as famosas placas neon de Hong Kong são o tema do longa-metragem A Light Never Goes Out, de Anastasia Tang, e que conta com a renomada atriz Sylvia Chang. O filme é uma homenagem a essa aesthetic que vem sofrendo um triste fim.
Masculinidade: em 2020, a NeoCha fotografou e perguntou a 10 pessoas chinesas o que consideram ser atributos masculinos e quem os simboliza. Será que dá pra definir?
O gâmbito do rei: Ding Liren se tornou o primeiro jogador profissional de xadrez a ganhar o campeonato mundial masculino. Ele chega para acompanhar a também chinesa Ju Wenjun, enxadrista que ocupa o primeiro lugar feminino.
Acadêmico: a Iniciativa Cinturão e Rota e suas consequências para a política internacional foram profundamente analisadas no recém-lançado livro The Palgrave Handbook of Globalization with Chinese Characteristics.
Kai Tak, o aeroporto internacional de Hong Kong que ficava tão pertinho dos prédios e colinas de Kowloon, foi desativado há 25 anos. O SCMP fez esta videorreportagem sobre o famoso aeroporto que deu origem a muitos pesadelos.