Fotografia em cores de estátuas religiosas de pedra em templo de Hiroshima. Algumas estátuas sorriem, outras têm expressão grave; algumas usam chapéus vermelhos, outras verdes.

Foto de Alexandr Moroz via Unsplash

Edição 254 – Pequim critica posicionamento do G7

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Nova onda? A China pode enfrentar até o fim de junho uma forte incidência de casos de Covid-19, segundo o pneumologista e principal nome do país sobre o assunto, Zhong Nanshan. Os casos da doença podem chegar a 65 milhões por semana, mas como o país desfez a rigorosa estrutura de controle dos tempos de covid zero, os números oficiais podem ficar abaixo da realidade. A Bloomberg mostra que atualmente as autoridades chinesas buscam aprimorar o estoque de vacinas para proteger contra a nova variante da ômicron, XBB. A China vem sofrendo significativo crescimento de casos desde abril. A newsletter Gushi dedicou uma edição toda para contar sob o ponto de vista de cidadãos chineses como é viver essa nova onda.

Parando tudo. O The Guardian chama atenção nesta reportagem para o surgimento de vários movimentos grevistas em território chinês após o fim das rígidas regras de covid zero. O texto diz que apenas este ano foram registradas mais de 130 greves em fábricas no país, representando mais que o triplo de 2022. Os dados são da China Labour Bulletin (CLB), uma organização não governamental sediada em Hong Kong. No início deste mês, entregadores do app Meituan na cidade de Shanwei realizaram uma greve para reconquistar subsídios cancelados pela empresa. Trabalhadores da Foxconn também têm sido notícia constante por suas demandas. Estaria o país entrando numa nova era?

As sanções sofridas pela China estão impulsionando um jeitinho para resolver problemas. A matéria de Karen Hao e Raffaelle Huang para o The Wall Street Journal conta como as empresas chinesas estão mitigando o efeito das sanções impostas pelo governo dos EUA na exportação de semicondutores para o país. Desde o segundo semestre de 2022, diversas companhias, como Huawei e Alibaba, não podem importar os chips de ponta produzidos nos Estados Unidos e usados principalmente para o desenvolvimento de inteligência artificial. Hao explica que a solução tem sido treinar a IA com diferentes chips (chamada de computação heterogênea) e testar outras técnicas para obter resultados similares. Não vai ser fácil, mas o Alibaba já tem experiência nessa lógica na construção do seu sistema de nuvem, como apontou Zac Haluza.

A questão dos chips também foi discutida pela pesquisadora Megha Shrivastava em texto para o The Diplomat. Ela analisa a estratégia chinesa nessa nova circunstância de disputa com os EUA e as possíveis medidas retaliatórias — algumas já implementadas, como a recém-anunciada proibição do uso de chips da empresa estadunidense Micron por parte de operadores de infraestrutura crítica.

Pompa e circunstância. A Cúpula China-Ásia Central, realizada em Xian, chegou ao fim depois de dois dias. Na quinta-feira (18), Xi Jinping teve reuniões bilaterais com os líderes de Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Turcomenistão e Uzbequistão e, na sexta-feira (19), na reunião geral, divulgou um plano de desenvolvimento para a região, com o discurso de se comprometer a fortalecer laços (e investimentos) em transporte e energia. A fala do presidente pode ser lida na íntegra, em inglês. Foi no Cazaquistão, há cerca de 10 anos, onde se lançou a Iniciativa Cinturão e Rota, indicativo da importância da região centro-asiática para a China, questão analisada pelo The Washington Post.

Pequim pretende se colocar como uma fonte de financiamento ao desenvolvimento em alternativa aos EUA e à UE, que costumam impor condicionalidades maiores. Além disso, o gigante asiático volta sua atenção à política e segurança regional. Ainda que haja quem especule que a China passe a ocupar o lugar da Rússia de fiadora da estabilidade na Ásia Central, este texto de James Palmer para a Foreign Policy mostra que isso parece ser improvável, ao menos no curto e médio prazo. Mas a crescente influência chinesa na região não vem sem resistência: o The China Project conta como os países centro-asiáticos têm visto cada vez mais protestos contra Pequim nos últimos anos, sobretudo no Cazaquistão.

Like a G7. Em simultâneo à Cúpula China-Ásia Central, o encontro dos países do G7 aconteceu entre os dias 19 e 21 de maio em Hiroshima, no Japão. O grupo não inclui a China — mas isso não impediu que o gigante asiático fosse pauta. De fato, encontrar um tom comum sobre como lidar com o país estava na agenda e resultou em um comunicado que ressalta um dilema de dependência econômica. O documento foi extremamente criticado por Pequim, que convocou o embaixador do Japão para uma conversa, destacou que os pontos dizem respeito a questões domésticas e pediu não interferência. Na véspera do G7, na quinta-feira (18), o governo chinês já havia publicado um documento criticando duramente a “diplomacia coercitiva” dos EUA. De todo modo, o bloco não está coeso quanto a como responder ao “desafio chinês”.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sinalizou algumas políticas do bloco europeu para lidar com a China: desvincular (decoupling, termo bastante usado para falar da relação sino-estadunidense) não é uma opção, mas é necessário reduzir a vulnerabilidade no âmbito econômico. O novo termo é de-risking, ou seja, cortar pontos da relação que podem trazer riscos — mas não sem controvérsias. Von der Leyen esteve recentemente em Pequim para discussão da relação bilateral, mesmo em meio às tensões sobre a Ucrânia. Mês que vem a União Europeia deve lançar uma estratégia do bloco para lidar com a China.

Em mais um episódio do cabo de guerra, o estado de Montana nos EUA baniu a disponibilização do app TikTok por questões de segurança nacional. Ao fazer isso, tornou-se o primeiro no país norte-americano a tomar uma ação mais contundente — o aplicativo já havia sido proibido em dispositivos de funcionários públicos desde o final do ano passado. O argumento é de proteger os cidadãos de vigilância por parte do Partido Comunista da China, segundo o governo republicano afirma, como conta o G1. A proibição do download do aplicativo só entra em vigor em janeiro de 2024. Como era esperado, a questão já foi parar na justiça, sob o argumento de violar a liberdade de expressão.

O Partido riu por último. Na semana passada, o comediante Li “House” Haoshi decidiu fazer graça, durante um show de stand-up, sobre o Exército de Libertação Popular (ELP), um dos braços das forças armadas da China. Ele fez uma piada com um dos lemas do ELP, lançado por Xi Jinping, ao usar para falar dos seus cachorros brincando, e a sua agência acabou recebendo uma multa de 2 milhões de dólares, além de uma proibição de se apresentar em Pequim até segunda ordem. A agência de Li também está sendo alvo de investigação, e o caso gerou um debate complicado nas redes sociais sobre até onde o humor pode ir, como discute o China Media Project. Não está sendo fácil, já que várias postagens críticas estão sendo derrubadas, inclusive de outros comediantes, segundo o China Digital Times.

Envelhecimento no campo e crise climática. A crise demográfica enfrentada pela China afeta todas as indústrias, e com a agricultura não é diferente. A Sixth Tone conta como áreas rurais estão envelhecendo rapidamente, com jovens indo morar em centros urbanos, e como isso impacta a produção de alimentos: trabalhadores do campo mais idosos têm muita dificuldade de se adaptar a práticas mais modernas de cultivo, resultando em safras reduzidas. A matéria conta ainda que essa tendência tem levado ao abandono de terras aráveis e a um baixo nível de investimento no setor. A solução aparente é atrair jovens com mais facilidade para lidar com tecnologia, uma tarefa que depende de muitos incentivos. Os desafios à segurança alimentar se agravam ainda mais considerando a crise climática. Só em maio deste ano, foram vários eventos extremos registrados na China, de estiagens severas a chuvas torrenciais. E a tendência aqui também é de piora por causa do El Niño. Dias difíceis pela frente.

Bora compartilhar. Você já ouviu falar do aplicativo ShareIt? Praticamente desconhecido no hemisfério ocidental, ele já foi baixado mais de 2,4 bilhões de vezes, segundo a empresa chinesa dona do app. O ShareIt serve para compartilhar fotos, vídeos e documentos entre smartphones sem precisar de conexão ativa à internet — um mecanismo semelhante ao AirDrop da Apple — o que o torna bastante atrativo em países onde o custo dos dados móveis é muito elevado. A Rest of World conta como o ShareIt se disseminou vertiginosamente na Índia, onde contava com mais de 400 milhões de downloads, antes de ser banido pelo governo. Agora a empresa se volta para o público do sudeste asiático e do continente africano. Mas será que o sucesso é sustentável? Assim que os custos da internet móvel caem, o aplicativo perde usuários — e receita.

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Música: a banda de rock Chinese Football é uma das mais tocadas em certos fones de ouvidos da equipe, e vale não apenas ouvir o som, mas assistir este vídeo deles, para uma campanha da marca Fender, apresentando a cidade de Wuhan. 

Inusitado: nos anos 1970 e 1980, os restaurantes chineses e filipinos foram literalmente palcos na Califórnia, muitos com apoio da empresária Esther Wong. Essa é a mistura do punk com a culinária asiática.

Entrevista: Wang Huiyao, fundador e presidente do Center for China and Globalization (CCG), conversou neste episódio de podcast com o Jiang Jiang, do Ginger River, sobre a política externa chinesa. O CCG fica em Pequim e é um dos principais think tanks da China.

Um passado sombrio: um feito de engenharia, a ponte Renziqiao tornou-se um ponto turístico nos últimos anos, porém sua construção, a mando da França colonial, foi marcada por muitas mortes de trabalhadores chineses há mais de 100 anos, como lembra a The World of Chinese.

Arte: Myth Makers — Spectrosynthesis III foi a primeira grande exposição de arte com temática LGBTQIA+ em Hong Kong. A visitação terminou em abril deste ano, mas a Artazine. fez uma bela matéria sobre a mostra.

 

Dois artistas chineses exploram o cyberpunk para pensar a conexão entre tecnologia e tradição na China.

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