Edição 175 – Aniversário da República reacende debate de reunificação
Em busca de energia elétrica. Na semana passada, falamos aqui sobre a crise energética que a China vem enfrentando. O tema segue quente por lá e as novidades da semana estão em torno do financiamento da produção de eletricidade e carvão. Segundo a Xinhua, a autoridade regulatória bancária distribuiu uma circular dizendo que crédito para os setores será facilitado. A intenção do órgão é dar mais estabilidade aos preços e conter a especulação na produção de commodities como o carvão. A Xinhua falou também em regulações no setor elétrico, anunciadas pelo premiê chinês, Li Keqiang. Ainda não se sabe mais detalhes sobre essas decisões, mas seguiremos acompanhando por aqui.
Como só isso não basta para garantir que a população chinesa se mantenha aquecida durante o inverno, o governo determinou que as principais províncias produtoras de carvão (Mongólia Interior e Shanxi) elevem sua capacidade ao máximo. Além disso, foi noticiado pela Reuters que estoques de carvão vindos da Austrália — com quem a China mantém fortes disputas comerciais —, que estariam parados há meses, começaram a ser liberados nos portos chineses. Se você quiser saber mais sobre o tema, deixamos este texto aqui da Quartz. Mas, para se ter uma ideia de onde o assunto chegou, a crise energética chinesa virou até alvo de uma teoria conspiratória.
Expansão continental. Na última quarta-feira (6), a Chefe Executiva de Hong Kong Carrie Lam fez o último anúncio anual de políticas públicas deste seu mandato (que se encerra em março). Entre elas estão novas medidas para expandir a Lei de Segurança Nacional, com definições mais amplas de “terrorismo”, por exemplo; e o anúncio da construção de uma metrópole ao norte de Hong Kong, na fronteira com a China continental. Reforçando o foco em tecnologia e o projeto de integração da Área da Grande Baía, a nova tecnópolis será construída em 20 anos e ainda não teve seu custo definido — mas será rentável, segundo Lam. Também chamou a atenção o anúncio de um megatribunal para processar casos envolvendo múltiplos acusados (mais de dez mil pessoas foram presas por conta das manifestações de 2019). Embora Lam não tenha comentado sobre a possibilidade da sua reeleição, políticos da oposição declararam que seu discurso foi para agradar Pequim. Para mais detalhes do que foi dito, vale ver esta transmissão com tradução simultânea (para o inglês) do Hong Kong Free Press.
Falando em HK, na semana passada prometemos ficar de olho na menção aos ex-CEOs CY Leung e Tung Chee-hwa no Pandora Papers. Leung afirmou na semana passada que fez todas as declarações financeiras exigidas pela lei e, ao contrário do que foi afirmado pelo jornal local Stand News, pediu seu desligamento da diretoria de empresas japonesas antes de assumir sua liderança no governo — embora os procedimentos tenham sido concluídos tardiamente. Quanto a Tung e sua família, que teriam ao menos 72 empresas offshore, nenhuma declaração pública sobre o assunto foi feita até o momento.
Novidades algo rítmicas. Na última semana, o Ministério da Ciência e Tecnologia chinês anunciou um conjunto de orientações éticas para o uso de algoritmos de inteligência artificial. O foco, de acordo com reportagem do South China Morning Post, é enfatizar os direitos dos usuários e o controle de suas informações. O documento é composto por seis princípios que devem garantir que a inteligência artificial seja “controlável e confiável” e busque refletir os “valores comuns da humanidade”, com atenção ao combate a desigualdades. O anúncio é um desdobramento do projeto apresentado para apreciação pública no final de agosto (como contamos aqui). Essa regulação faz parte de um projeto amplo e multidepartamental que deve ser implementado ao longo de três anos e tem por objetivo final que o país assuma a liderança em tecnologias de inteligência artificial até o final desta década.
Viva a Revolução. Em discurso para comemorar os 110 anos da Revolução Xinhai 辛亥, que fundou a primeira República da China, o presidente Xi Jinping expressou o desejo de que Taiwan seja completamente reunificada à China continental de forma pacífica. Em sua fala, Xi também disse que ninguém pode subestimar a determinação dos chineses em defenderem sua soberania. A isso se soma a declaração do ministro da Defesa taiwanês ter falado que a relação entre Taipei e Pequim está em sua pior fase em 40 anos. A líder taiwanesa, Tsai Ing-wen, respondeu que a ilha não será forçada a se render à China continental e reafirmou seu comprometimento com a manutenção do status quo. Na última semana, foram publicadas reportagens sobre o aumento do número de aviões chineses na zona de identificação aérea de Taipei. Já o WSJ publicou uma reportagem sobre a presença de tropas dos Estados Unidos na ilha, aumentando a tensão entre Washington e Pequim. O clima pesado, no entanto, não significa que uma guerra seja iminente, como explicou o ex-shumianer Jordy Pasa em um fio que também traz os possíveis motivos que levaram Pequim ao tensionamento atual.
Deixe o drama para Hollywood. Foi mais ou menos esse o tom do recado passado pelo embaixador da China nos Estados Unidos em entrevista recente. A fala se deu logo após notícia de que o país da América do Norte criou uma unidade de inteligência dedicada ao país asiático. Para quem foi o recado? Na última quinta (07), o embaixador Qin Gang disse que os EUA deveriam parar de desenhar seu caderninho de guerra fria no estilo 007.
Tudo isso aconteceu na mesma semana em que se desenhou um encontro entre Xi Jinping e Joe Biden — virtualmente —, que pode ser realizado até o fim do ano. O anúncio foi feito pela Casa Branca depois de o conselheiro nacional de segurança Jake Sullivan e o conselheiro de política externa chinesa Yang Jiechi terem se reunido por seis horas em Zurique, na Suíça. Do lado chinês, a agência de notícias Xinhua falou em expectativa de que as conversas ocorram de forma racional e com cooperação mútua. Os estadunidenses, segundo a Reuters, adotaram a linha de que as duas maiores nações mundiais podem gerenciar uma competição intensa responsavelmente.
Era uma vez no México. Enquanto os Estados Unidos viram crescer sua rivalidade com a China nos últimos anos, o vizinho México estreitou laços com a segunda maior economia do globo. Já falamos em algumas edições sobre a aproximação do país asiático com a América Latina, sobretudo por meio da diplomacia da vacina. Este texto do East Asia Forum debate essa relação e fala como anda a imagem dos chineses entre os mexicanos. Ainda sobre a América Latina, recomendamos esta leitura do Council on Foreign Relations sobre o papel e o espaço das nações latino-americanas em meio a tensão sino-estadunidense.
A Rota da Seda Digital que liga a China ao continente africano. Nós já falamos aqui algumas vezes sobre os investimentos chineses em projetos de infraestrutura e tecnologia (como a presença da Huawei) em países da África. Este texto do Sixth Tone aborda como projetos digitais que aumentaram a parceria entre empresas chinesas e governos africanos em meio à pandemia, como infraestrutura de rede e tecnológica. Outro texto da mesma publicação fala , a partir de um depoimento feito por uma chinesa que foi trabalhar na Nigéria, sobre como as conexões entre as regiões se deu de uma forma geracional. Ela conta como a indústria de smartphones elevou o número de cidadãos chineses da geração Z que se mudaram para a África a trabalho e o impacto que isso tem na aproximação cultural e empresarial. Vale resgatar este episódio do China in Africa Podcast que recomendamos em 2018 sobre investimentos de tecnologia chinesa na África.
A COP15 vem aí. Começa nesta terça-feira (12) a COP 15, em Kunming, capital de Yunnan, no Sul da China. O encontro tem como objetivo discutir a biodiversidade do planeta, em especial neste momento em que preocupações ambientais passam a ser uma das principais pautas das lideranças globais. De acordo com a porta-voz do governo chinês, Hua Chunying, o presidente Xi Jinping enviará uma mensagem em vídeo aos participantes, mas não deve ir pessoalmente. Não dará tempo de colocarmos nesta edição os desdobramentos do encontro, mas deixamos um convite para você que se interessa por Meio Ambiente: o tema foi escolhido para nossa edição temática de outubro, que será distribuída no próximo dia 16, exclusivamente para apoiadores (a partir de R$ 15) e você pode passar a receber doando para a Shūmiàn 书面 aqui.
Nem nas ruas, nem nas salas de aula. Neste começo de ano letivo em Hong Kong, 81 turmas de ensino fundamental foram fechadas por falta de estudantes — um total de 2000 carteiras vazias. Ao apresentar esse resultado, o representante de diretores escolares afirmou que os números podem ser ainda piores em 2022 caso as fronteiras com a China continental não sejam reabertas. Isso porque, como já falamos por aqui, o êxodo de famílias honconguenses só não tem maior impacto por conta de imigrantes vindos da China continental. E a crise não fica só na educação básica: a semana foi marcada pelo pedido de remoção do Pilar da Vergonha, escultura que relembra os acontecimentos da praça da paz celestial, feito pela Hong Kong University. De menor impacto internacional, também houve o fim do centro estudantil da Chinese University of Hong Kong, existente há 50 anos — o que valeu um editorial celebratório no Global Times. E, para quem se preocupa com questões de liberdade acadêmica, houve a demissão de professores ativistas na Lingnan University. Não está sendo fácil.
Fica, vai ter bolo de casamento. A questão da dificuldade dos homens nas áreas rurais da China encontrarem esposas é um problema conhecido há alguns anos. Com a política do filho único, abortos seletivos ocorreram em um contexto de preferência por filhos meninos, e assim o país tem hoje 35 milhões homens a mais do que mulheres. A migração em direção às cidades reforçou a escassez de esposas, com muitas jovens escolhendo a vida urbana e priorizando as suas carreiras (e sendo apelidadas de “mulheres que sobraram”, do popular termo leftover women). O tema voltou à pauta após a saída do último censo, como apareceu até no Global Times, e teve um especialista dizendo (não sem receber críticas) que era hora de casar os homens solteiros do campo com as mulheres solteiras das cidades.
Recentemente, o governo de um condado da província de Hunan decidiu lançar uma campanha para as mulheres locais ficarem por lá. Como conta Jiayun Feng para o SupChina, o plano de ação das autoridades inclui incentivar e educar a paixão pela região, simplificar tradições rurais de namoro (barateando o noivado/cortejo), e por aí vai. Mas o plano recebeu críticas de quem achou que parece mais uma propaganda que objetifica mulheres para beneficiar os homens solteiros, e não a construção de uma parceria, como deve ser um casamento.
Relatório sobre o mercado de ficção científica na China mostra o sucesso da indústria, que rendeu cerca de 5,6 bilhões de dólares (aproximadamente R$ 31 bi) na primeira metade de 2021. Quase 1,4 bilhão de yuan (ou 217 milhões de dólares) veio só do mercado literário. No relatório do ano passado, muito destaque foi para o filme chinês Terra à Deriva, uma adaptação do conto de Liu Cixin, e para os produtos que surgiram a partir do filme. O autor, o mais famoso da sci-fi chinesa contemporânea, recentemente também foi assunto no Wall-Street Journal.
Incentivando a manutenção do sucesso nacional desse gênero, no começo do mês aconteceu a Convenção de Ficção Científica Chinesa em Pequim. Durante o evento foi anunciado um fundo de 154 milhões de dólares (cerca de R$ 850 milhões) para financiar a indústria na capital chinesa. Já apareceram aqui algumas notícias sobre o avanço do mercado voltado para a ficção científica na China. No ano passado, contamos como novas diretrizes focavam no incentivo ao setor.
Se você quiser ler mais ficção científica chinesa, fica o convite para participar do nosso Clube do Livro. Em novembro e em janeiro vamos ler o segundo e o terceiro livro da trilogia Lembranças do Passado da Terra de Liu Cixin. Os encontros são mensais e sem custo. Outro texto que você pode achar interessante é esse aqui, do tradutor dos livros do Liu e escritor Ken Liu sobre a importância dos tradutores na história da ficção científica chinesa.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Errata: Na edição passada, publicamos um artigo escrito por Olívia Bulla e José Renato Peneluppi. O link estava incorreto, a versão correta está aqui. Pedimos desculpas pelo erro.
Entrevista: o que pensa a acadêmica feminista Leta Hong Fincher (uma favorita aqui na Shūmiàn) sobre os novos planos de Pequim para reduzir o número de abortos? Pegue seu chazinho e venha ler.
NFTs: elas também podem ser usadas para o bem. Descubra neste texto do Protocol como os non-fungible tokens estão sendo usados para apoiar veículos chineses de jornalismo independente.
Neo-sensacionismo: o Internet Archive disponibilizou mais de cem edições da pioneira revista ilustrada Shanghai Manhua. Vai faltar parede pro tanto de arte que você vai querer pendurar em casa.
Só dá lula no e-commerce chinês: no caso, o Squid game (jogo da lula, que no Brasil foi traduzido como Round 6). Mesmo sem estreia oficial, a série coreana também é sucesso na China. O tema é um dos mais comentados nas redes sociais e virou até meme. Vale lembrar que rapidamente os chineses trataram de fazer disso um negócio, e produtos temáticos já são vendidos online.
Para refletir: Yangyang Cheng traz uma reflexão, em um texto para o The Guardian, sobre a desumanização de chineses e a politização da “ameaça chinesa” para avançar agendas domésticas em detrimento de ver aquele 1,2 bilhão de pessoas como pessoas.
FreeBritney: também é febre no Weibo a hashtag sobre ter chegado ao fim, após 13 anos, a custódia do pai de Britney Spears sobre a cantora estadunidense.
Insetos-ciborgues decorativos: leia (e veja!) no SupChina a matéria sobre os insetos steampunk, um hobby pra lá de inusitado que se tornou um mercado em ascensão vertiginosa.
Seminário: Estão abertas (até 25/10) as inscrições para o I Seminário Internacional CEÁSIA-UFPE – Nova ordem, velhos consensos: O sul global em perspectiva. O evento será realizado entre 26 e 29 de outubro, totalmente online. Confira!