Edição 185 – Baixa adesão nas eleições em Hong Kong
Eleição sem eleitores. Aconteceram ontem (19) as primeiras grandes eleições do Conselho Legislativo de Hong Kong exclusivas para “patriotas”. Como todos os candidatos foram pré-aprovados, garantindo certa homogeneidade ideológica, o “resultado” mais aguardado neste pleito era o total de participação dos eleitores. Nesse sentido, houve dois recordes: apenas 30% do eleitorado compareceu, o menor nível desde 1997, ano em que Hong Kong deixou de ser colônia britânica. Não que as pessoas tenham ficado em casa: em um dia de transporte público gratuito, os honconguenses foram em massa passear. Para o Global Times, a baixa adesão da população foi vista como um sinal de satisfação com o governo, declaração reforçada pela estatal Xinhua. O outro recorde foi à revelia da criminalização da sugestão de voto em branco: segundo contagem do jornal Hong Kong Free Press, 2% dos votos foram invalidados. De acordo com Pequim, essa é a “democracia com características hongconguenses”.
Deu ruim para o Weibo de novo. Na semana passada, falamos sobre as perdas que o Weibo amargou ao anunciar que passaria a ser listado também na Bolsa de Hong Kong, assim como fez recentemente a Didi. Novas quedas foram vistas nas ações da empresa, mas desta vez após decisão da agência reguladora de multar a rede social em 3 milhões de renminbi (R$ 2,78 milhões). O motivo? A plataforma ter publicado reiteradamente conteúdo considerado ilegal. O órgão regulatório não deu detalhes sobre quais conteúdos foram esses. Segundo a Reuters, o Weibo acumulou, entre janeiro e novembro de 2021, 44 multas, totalizando 14,3 milhões de renminbi (R$ 12,76 milhões).
Por falar em conteúdo ilegal, a Propublica, junto com o The New York Times, fez um levantamento sobre os pontos de censura na China atual. Vale a pena passar um bom cafezinho para ler sobre o trabalho feito pelas duas equipes. O texto da Propublica destaca sobretudo a situação de Peng Shuai, cuja postagem denunciando abuso sexual por um homem do alto escalão do PCCh foi rapidamente deletada do Weibo . Em outra reportagem, o The New York Times conta como influenciadores estrangeiros estão recebendo estímulos do governo chinês para contribuírem para a propaganda pró-Pequim. Logo após o jornal estadunidense publicar o texto, influenciadores, particularmente de turismo, queixaram-se da reportagem.
Já falamos aqui sobre a Shein, a empresa de e-commerce e hyper fast fashion chinesa. Uma recente matéria longa da Rest of World investigou por seis meses como o seu modelo de negócio, tão atraente para a geração Z, funciona: pegando modelos de roupas direto do TikTok e Instagram, fazendo pedidos pequenos nas fábricas afiliadas, com produção em tempo recorde (e muito trabalho extra), e o pesado uso de dados que alimenta isso tudo. Com esse modelo de negócios a Shein ganhou o mundo — mas qual o custo disso? A indústria da moda passa hoje por uma série de reflexões sobre impacto ambiental, e vale pensar para onde estamos indo.
Para emendar a leitura sobre sucesso global de empresas chinesas, vale essa matéria da Wired sobre a ByteDance (dona do TikTok) e seus planos de expansão.
Depois da Apple, a Amazon: contamos por aqui na semana passada sobre investimentos sigilosos da Apple na China. Na semana seguinte, outra big tech estadunidense teve segredos com Pequim revelados: segundo relato da agência Reuters, a Amazon não permite avaliações e comentários públicos nas obras atribuídas ao governo chinês disponíveis para venda na Amazon.cn. Ao que tudo indica, isso ocorre há dois anos, a pedido de Pequim, depois que um dos livros de discursos de Xi Jinping recebeu uma avaliação de menos de cinco estrelas. Até essa revelação, acreditava-se que os reviews na plataforma eram um de dois espaços de comentário livre na internet chinesa — o outro sendo o Github. Outra revelação trazida pela Reuters é o papel estratégico do portal de livros chineses na Amazon.com, que conta com uma curadoria feita em parceria com o governo chinês. A reportagem da Reuters explora como a Amazon se adaptou ao mercado chinês para se tornar um sucesso por lá, e vale a leitura de quem se interessa por estratégias na intersecção entre política e comércio.
Juntos e misturados. Xi Jinping e Vladimir Putin conversaram sobre a parceria estratégica de China e Rússia por videoconferência na última quarta-feira (15). O principal anúncio da reunião, que durou quase 5 horas, foi a possível criação de uma plataforma financeira independente da influência de terceiros. Além de facilitar o comércio bilateral, essa medida poderia reduzir o impacto de sanções econômicas dos EUA e da UE. Como ressalta o The New York Times, a conversa veio na esteira de duras críticas de Pequim e Moscou à cúpula de democracias capitaneada pelos EUA no início do mês, que não os incluiu. No fim de novembro, os embaixadores chinês e russo em Washington chegaram a publicar um inédito artigo de opinião na revista The National Interest condenando a iniciativa estadunidense e os ares de confronto ideológico da Guerra Fria.
A rejeição à hegemonia dos EUA deu o tom da conversa entre Xi e Putin. Nesse contexto, a CGTN frisou o apoio de ambos os países a iniciativas multilaterais como os BRICS, a Organização para Cooperação de Shanghai, a ONU e a Agenda 2030. Já a Newsweek aponta para um acordo não escrito entre os dois países para forçar os EUA a lidar com dois focos de tensão simultâneos e em fronts distantes: Taiwan e Ucrânia.
E por falar em relações exteriores, ao que tudo indica, o novo comando no Chile não vai alterar as conversas entre Santiago e Pequim. Disputaram o pleito o esquerdista Boric, que saiu vitorioso, e o ultradireitista Augusto Kast, derrotado. As expectativas não eram lá de rompimento mesmo com eventual vitória de Kast. Em novembro, quando se realizou o primeiro turno das eleições do país latino americano, falamos aqui que o direitista prometia romper com Cuba e Venezuela, mas poupou a China. Curiosamente, o fã do ditador Augusto Pinochet venceu entre os eleitores na China, enquanto Boric saiu na frente no Japão. Agora, vamos observar como as críticas ao Estado chinês do então candidato se materializarão na diplomacia do presidente Boric.
Laços franco-chineses aprofundados. No início da semana, ocorreu o 8º Diálogo Econômico e Financeiro de Alto Nível entre a China e a França. Energia nuclear, aviação, proteção ambiental e sistema financeiro, entre outros, foram setores nos quais os dois países concordaram em aprofundar a cooperação bilateral. As relações com Paris parecem destoar das relações de Pequim com outros países europeus, sendo menos antagonista: ao mesmo tempo em que parlamentares franceses estejam fazendo visitas oficiais a Taiwan sob protestos do governo da China continental, há alguns dias, o presidente francês Emmanuel Macron rejeitou participar do boicote diplomático à Olimpíada de Inverno do ano que vem. A RFI publicou uma análise sobre a situação atual das relações bilaterais que explica a intensificação da cooperação enquanto surgem tensões pontuais.
China põe fim ao embargo da carne brasileira. Após mais de três meses de suspensão, as carnes brasileiras poderão voltar a entrar na China. Já falamos algumas vezes sobre esse assunto, que pegou de surpresa produtores brasileiros. O tema esteve entre os tópicos da conversa entre os ministros de relações exteriores Wang Yi (China) e Carlos Alberto França (Brasil), em outubro deste ano. O governo chinês vem se comprometendo com metas ambientais cada vez mais ambiciosas e a forma como a carne e a soja — outro produto de grande importância na relação dos dois países — são produzidas em solo brasileiro é alvo de questionamento. Falamos sobre o tema publicamos em março sobre essa preocupação. Este texto recente do Lausan, mídia independente de Hong Kong, explora as consequências internacionais da “civilização ecológica” nacional chinesa, focando especialmente no caso do Brasil. Já aproveita e lê o texto de Filipe Porto para o nosso site, sobre o conceito de civilização ecológica no governo Xi.
Ômicron chega à China. Mesmo com uma série de restrições em suas fronteiras, a China não ficou livre da chegada da variante ômicron ao seu território. Depois de a nova cepa ter chegado à Hong Kong, agora ao menos duas cidades da parte continental detectaram o vírus: Guangzhou e Tianjin. Isso deve elevar ainda mais as restrições de circulação interna poucos meses antes do Ano Novo Lunar, no fim de janeiro, e das Olimpíadas de Inverno de Pequim, em fevereiro. Como mostra esta reportagem do Washington Post, a expectativa é de que a circulação do vírus mantenha familiares afastados no feriado mais importante para os chineses. As autoridades locais, contudo, têm afirmado que o país está preparado para conter a disseminação do vírus.
Pressões de gênero. A morte de Zhou Peng, um jovem vítima de bullying, chamou atenção novamente para pressões sociais envolvendo questões de gênero na China. O caso ganhou destaque nas redes sociais, com depoimentos do jovem se dizendo atacado por sua aparência e comportamento considerados “efeminados”. Esta reportagem da BBC mostra que se fala em suicídio mesmo que a polícia não tenha dado muitos detalhes das circunstâncias em que Zhou Peng foi encontrado morto. Nós já falamos aqui outras vezes sobre a pressão de autoridades chinesas para que homens evitem aparências não consideradas “másculas”, como o governo tem cerceado espaços de discussão das comunidades LGBTQIA+ e como feministas são censuradas nas redes por “antagonismo de gênero”.
Divórcio de celebridades é a principal pauta no Weibo. Ao longo da semana, bombou a história da disputa pública entre o extremamente famoso cantor de mandopop Wang Leehom e a sua ex-esposa Lee Jinglei. Eles casaram em 2013, chamando atenção pelo fato de Lee não ser uma celebridade (ela fazia doutorado em Columbia e foi trabalhar na JP Morgan). A postagem do divórcio, no dia 15, recebeu rapidamente mais de 100 mil comentários e 3,5 milhões de curtidas, conta o WhatsOnWeibo. Só que a história se complica: Lee publicou um longo depoimento, falando sobre sacrifícios de abandonar a carreira para cuidar da família, acusando Wang de cometer abuso psicológico e adultério repetidamente. O pai do cantor se manifestou, numa carta escrita a mão, acusando Lee de dar “o golpe da barriga” e defendendo Wang (que perdeu uma série de patrocínios). Virou um bate e volta entre os três, até Wang se desculpar publicamente.
Muitos netizens se manifestaram a favor de Lee, unindo usuários de Pequim a Taipei. No estatal Global Times, relacionaram o comportamento de Wang ao já mencionado por aqui caso de celebridades sem comportamento ético e como isso preocupa o governo chinês. E até o órgão de combate à corrupção do Partido, o Comitê Central de Inspeção Disciplinar do PCCh, opinou sobre como o caso prova o impacto das ações das celebridades na sociedade.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Cinema: querendo praticar seu mandarim (ou cantonês) mas encontrando poucas opções? Vale checar a CathayPlay, uma plataforma de streaming de filmes independentes chineses com legendas em inglês e mandarim.
Diário de viagem: Anthony Tao, editor do SupChina, publicou um grande relato de uma viagem de moto de Xi’an a Dunhuang feita por ele com Mads Nielsen, de quem já falamos por aqui. Recheado de fotos e gifs, o texto vale aquela leitura acompanhada de um cafezinho.
Fissura por macarrão instantâneo: a Radii conta em uma divertida matéria como o raio gourmetizador vem afetando as marcas e consumidores chineses dessa iguaria, que tem na China o maior mercado mundial e uma legião de fãs na geração Z.
Pra que tanto? A Architectural Digest publicou uma matéria com fotos do que seria a creche mais bonita do mundo, em Huzhou. Inaugurada em agosto deste ano, o jardim de infância foi inspirado em Gaudí.
Soft power ou diplomacia? Vale ouvir esta conversa do Chutando a Escada com Paulo Menechelli, pesquisador do tema, sobre o que significam esses termos no cenário chinês.