Edição 237 – População chinesa encolhe pela primeira vez em 60 anos
Querida, encolhi o país. Não é de hoje que a crise demográfica é pauta na China, mas nesta terça (17) foi publicado um dado que mostra que, pela primeira vez em 60 anos, a população chinesa encolheu: o número de mortes (10,41 milhões) superou o de nascimentos (9,56 milhões) em 850 mil, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas. Não chega a ser uma completa surpresa, já que em 2021 a taxa de nascimentos havia sido a menor desde o início dos registros em 1949. Em meio à resistência dos jovens em terem filhos apesar dos incentivos do governo, há a previsão de que a Índia ultrapasse a população chinesa (1,41 bilhão de pessoas) ainda em 2023, como reportou o South China Morning Post. O Nexo publicou uma explicação sobre as mudanças na demografia chinesa.
A passo lento também anda a economia, que expandiu 3% em 2022, segunda menor taxa desde 1976. Os dados divulgados pelo governo na terça (17) mostram que houve um crescimento de 2,9% do PIB chinês no último trimestre do ano passado, menor do que os 3,9% do período imediatamente anterior, mas acima do esperado pelo mercado. Há otimismo de economistas para a fase posterior à onda atual de Covid-19, mas a melhora deve ser lenta, conta O Globo.
Na contramão. Segundo autoridades chinesas, cerca de 60 mil pessoas morreram de Covid-19 apenas nas últimas cinco semanas: foram 5.503 mortes atribuídas à infecção pelo coronavírus e 54.435 por comorbidades combinadas com a Covid-19. Os números são altos, sobretudo comparados aos do período de restrições, em que o país chegou a ficar quase um ano sem registrar óbitos relacionados à doença. Citando estimativas da Universidade de Pequim, a imprensa chinesa fala em 900 milhões de infectados no país, o que corresponde a 60% da população. Tudo indica que a circulação de pessoas está intensa: o vírus chegou ao interior antes do esperado e houve um forte aumento de viagens de pessoas da China continental para Hong Kong e Macau, locais isolados durante a política de Covid Zero.
Mudança de estratégia: desde 2021 focada na regulamentação das big techs, a China agora está de olho no poder de voto dentro dessas empresas. No começo do ano, o órgão regulador de tecnologia comprou 1% de uma subsidiária da Alibaba e está no processo de fazer o mesmo com a Tencent — como já fez com o Weibo e a ByteDance. É uma participação pequena, mas o tipo de ações adquiridas inclui o governo em decisões importantes, como a nomeação de diretores. Na direção contrária, o fundador da Alibaba Jack Ma perdeu o controle da Ant Group após uma reorganização da composição acionária da empresa no começo do mês.
O maior envolvimento do governo chinês em suas big techs acontece em um momento sensível para essas empresas no contexto internacional: a TikTok admitiu que, durante uma auditoria interna, funcionários acessaram indevidamente dados de jornalistas que investigavam a empresa. Agora, políticos de diversos países se mobilizam para restringir as operações da ByteDance em seus territórios, como os EUA já haviam ameaçado fazer durante o governo Trump — situação que é bem explicada neste artigo da Vox e que estava para ser resolvida no final de 2022. Em meio a essas tensões, as empresas enfrentam perda de valor e promovem demissões: Didi deve fazer cortes na força de trabalho às vésperas do ano novo (já fez aqui no Brasil, na 99) e a ByteDance, nova concorrente da Didi no mercado de compartilhamento de corridas, demitiu 10% dos seus trabalhadores.
Mantendo a tradição? O novo ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, fez sua primeira viagem oficial no cargo para o continente africano: Etiópia, Gabão, Angola, Benin e Egito, de 9 a 16 de janeiro. No entanto, a caminho da Etiópia, a delegação chinesa fez uma estranha parada no Bangladesh, onde Qin fez uma breve reunião de madrugada com sua contraparte bengali Abul Momen. O governo chinês alegou que a visita ao país asiático não foi oficial, teria sido ocasionada por problemas técnicos, e por isso a tradição estaria de pé. Qin, que é ex-embaixador nos Estados Unidos, afirmou que a África é um grande palco para cooperação internacional e não uma arena para rivalidades. Na visão de analistas ouvidos pelo SCMP, a viagem foi um gesto de solidariedade. O Panda Paw Dragon Claw publicou uma análise sobre o primeiro discurso de Qin Gang e o discurso final de seu antecessor, Wang Yi.
Nem tudo ficará igual. Pelo menos essa foi a reação internacional à saída de Zhao Lijian do cargo de porta-voz da chancelaria. Tido como garoto-propaganda da chamada “diplomacia do lobo guerreiro”, Zhao vai ocupar a vice-diretoria do Departamento de Fronteiras e Temas Oceânicos. O motivo da saída do porta-voz não foi anunciado, mas a ação é lida por especialistas como um distensionamento das relações da China com países estrangeiros — vale ler esse texto de James Palmer. Analistas ouvidos pela NPR afirmam que o país asiático estaria tentando apaziguar suas relações exteriores em meio às dificuldades domésticas, tanto na economia quanto no aumento dos casos de Covid-19.
Na mesma linha, esta reportagem do Financial Times, que ouviu uma série de diplomatas chineses em anonimato, especula um relativo afastamento entre Xi Jinping e Vladimir Putin. O argumento seria que Pequim quer se afastar de Moscou para recuperar a economia e se reaproximar da União Europeia em meio ao conflito da Rússia com a Ucrânia. Neste fio, Alexander Gabuev, da Carnegie, comenta a matéria e nota que a política externa chinesa não mudou e que o país asiático quer apenas passar a imagem de que houve uma inflexão — o que parece estar funcionando.
Na mira do FBI. Reportagem publicada pelo The New York Times mostra que a contrainteligência da polícia estadunidense está de olho em espécies de “delegacias chinesas” nos Estados Unidos. O tema não é novo por aqui, já falamos sobre essa suspeita em diversos países. A reportagem explica que, embora a embaixada afirme que esses locais sejam postos onde voluntários ajudam imigrantes a resolver problemas burocráticos, na mídia estatal chinesa eles são apresentados como centros de coleta de inteligência e resolução de crimes — o que seria ilegal.
Vigiar e punir. Aos poucos, a polícia chinesa vem prendendo pessoas que protestaram no fim do ano passado contra as políticas de Covid Zero. Esta reportagem da NPR faz uma cuidadosa busca por quem são essas pessoas e de que forma elas foram monitoradas e detidas pelo poder estatal.
Novos protestos surgiram esta semana ligados à política de Covid-Zero, mas dessa vez contra as consequências de seu fim, como conta o The New York Times. A megacidade de Chongqing viu trabalhadores se queixarem de não estarem sendo pagos ou de terem sido demitidos por empresas que antes faturavam uma generosa receita com as testagens em massa. Esses negócios agora veem sua fonte de renda minguar com o fim das restrições da pandemia.
IA regulada — agora é pra valer. Entrou em vigor, no começo do mês, a regulamentação sobre a oferta e consumo de serviços de “síntese profunda” (inteligência artificial) para geração de conteúdos textuais, imagéticos e/ou sonoros, aprovada no final de novembro. Nesta semana, um texto no site da revista estadunidense Wired contou o caso da jornalista Amanda Florian, que se descobriu vendendo fogareiros na China, seu rosto aparecendo em diversos anúncios para os quais nunca havia posado. Amanda, cujo rosto fora sintetizado sobre o corpo de outra mulher, conversou com especialistas e modelos durante sua investigação, explorando as dimensões desse problema que a nova regulamentação busca resolver.
O crime (acadêmico) não compensa. Há um ano atrás, contamos como a China National Knowledge Infrastructure (CNKI), uma plataforma chinesa que cobra por artigos acadêmicos, estava em apuros com as autoridades após denúncia de plágio da pesquisa de um historiador. A empresa teve que pagar uma multa de 700 mil renmibi (cerca de 530 mil reais). Pois bem, em maio a CNKI teve outra investigação iniciada e no fim do ano passado recebeu mais uma multa de 87,6 milhões de renminbi (cerca de 66 milhões de reais) por abuso de mercado, conta a Reuters.
Mas não é só isso na vida dos acadêmicos chineses: o Ministério da Ciência e Tecnologia descobriu uma série de fraudes, inclusive plágio, em cursos da área médica em universidades de alto nível. Mais de 40 pesquisadores foram punidos.
Ainda dá tempo para mais uma retrospectiva: o aplicativo Xiaohongshu (que combina rede social com e-commerce) lançou uma publicação com as principais tendências de lifestyle na China para 2023 em parceria com o Instituto de Sociologia da Academia Chinesa de Ciências Sociais. O material foi criado a partir de dados da plataforma, como compartilhamentos e outras interações dos usuários em 2022. Alguns hábitos vieram com força: compras em grupo, viagens próximas e curtas, atividades de relaxamento, estilo de vida minimalista, atividades culturais tradicionais chinesas (como caligrafia), casas confortáveis, reciclagem e reuso de itens, e idas a casas de chá.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Catolicismo com características chinesas: representações de Jesus Cristo e Virgem Maria reimaginados na cultura chinesa foram uma estratégia de evangelização no século XVII — as ilustrações são lindas.
Nepobabies: para quem se divertiu com o bafafá dos privilegiados filhinhos de papai/mamãe de Hollywood, chegou a hora de conhecer o nepotismo no showbiz chinês.
O Problema dos Três Corpos: finalmente estreou a adaptação da Tencent para a trilogia de Cixin Liu. Os três primeiros episódios estão disponíveis gratuitamente no YouTube com legendas em inglês. Outras adaptações ainda estão por vir, como celebrou o autor em mandarim e inglês.
Três tigres: entediado com a chuva no Brasil? Que tal tentar um trava-línguas em chinês? O The World of Chinese traz um desafio, no mínimo, interessante.
Pessoas normais: o Chaoyang Trap traz uma primorosa conversa com Na Zhong, a tradutora dos romances da irlandesa e celebrada Sally Rooney para o chinês.
Comida pelo mundo: o cineasta Cheuk Kwan lançou o livro Have You Eaten Yet? — uma jornada por restaurantes chineses em outros países para discutir (a sua) identidade na diáspora. Em 2006, Cheuk lançou uma série de 15 episódios bem parecida (disponível no YouTube), com dois episódios sobre o Brasil, um em Manaus e o outro em São Paulo.