Fotografia em cores de marinha dos EUA resgatando o balão chinês no oceano. Pode-se ver marinheiros em um bote, no começo da noite, puxando o balão para dentro da embarcação.

Foto: U.S. Navy Photo by Mass Communication Specialist 1st Class Tyler Thompson, em domínio público, via Wikimedia Commons.

Edição 240 – EUA derrubam balão chinês e crise ganha novo capítulo

Vacinas chinesas e gigantes de tecnologia na China

Mais um ranking de democracia, mais uma queda para Hong Kong, agora na 88ª posição do ranking organizado pelo braço de pesquisa da The Economist. Um dos itens avaliados (e deteriorados) nessa listagem é a capacidade de organização civil, um marcador que está no foco da cidade nesta semana: na segunda-feira (6), começou o julgamento dos 47 de Hong Kong, organizadores de eleições prévias acusados de subversão. O caso é emblemático para a democracia na cidade e o maior a envolver a Lei de Segurança Nacional (LSN), como explica neste fio o ativista Nathan Law. Para reverter a deterioração da imagem da cidade perante o mundo, o governo decidiu criar uma força-tarefa para desenvolver narrativas sobre Hong Kong. Além de executivos, o projeto conta com a colaboração oficial do editor-chefe do SCMP e do serviço de radiodifusão pública RTHK — levantando ainda mais dúvidas sobre a liberdade da imprensa local. O jornalismo honconguense foi assunto de uma reportagem recente da Al Jazeera, que foca em profissionais que deixaram a cidade mas tentam continuar a servir suas comunidades nativas.

Falando em diáspora, o governo britânico anunciou no início do mês que 144.500 honconguenses migraram para o Reino Unido nos últimos dois anos por meio de um passaporte BNO, esquema criado após a transferência de soberania em 1997 e ampliado após a aprovação da LSN. Mas a mensagem de celebração do governo britânico foi enfraquecida pela comoção pública causada pelas revelações da investigação da morte de Fion Ho: pressionada pelo alto custo de vida, a jovem cometeu suicídio pouco mais de seis meses depois de chegar a Londres por meio do esquema.

Por dentro do iPhone. Trabalhadores em fuga, condições insalubres e a bolha do mercado imobiliário: é pauta recorrente aqui falar sobre o quanto os fatos recentes na China afetaram a Foxconn e sua produção de iPhones. Agora voltamos à fábrica com relatos sobre como os famosos (e caros) smartphones são produzidos. A Rest of World ouviu os funcionários que trabalham na “cidade do iPhone” e vivem lá dentro. Um spoiler: não é nada leve.

Cai, cai balão. Os EUA derrubaram (vídeo) um balão chinês que sobrevoou seu espaço aéreo sem permissão no sábado (5). O governo estadunidense alega que o objeto se tratava de um satélite espião e, por isso, adiou a visita do Secretário de Estado Anthony Blinken à China. O governo chinês afirmou que era um balão meteorológico de uso civil que desviou de trajetória devido a fortes ventos e condenou veementemente o uso da força militar para o abatimento, destacando que se reserva o direito de agir da mesma maneira no futuro. Também foi confirmado o sobrevoo sobre a América Latina e o Caribe de um segundo balão. As diferentes narrativas foram analisadas pelo acadêmico Graham Webster, que assinala que o fato de ser uma pesquisa científica civil não descarta a possibilidade de uso militar por parte da China. O The New York Times pondera sobre os significados do episódio sobre o que se supõe da liderança de Xi Jinping. Do outro lado do Pacífico, Dingding Chen frisou que o episódio não passa de um drama inflado pela mídia e por motivos eleitoreiros. De fato, apesar de reclamar do “exagero” estadunidense, Pequim já estaria sinalizando vontade de retomar a rotina diplomática, conforme matéria do The Wall Street Journal.

A repórter Yaling Jiang acompanhou a reação das redes sociais chinesas com relação ao episódio. Segundo sua análise, muitos fazem chacota da importância que os EUA estão dando ao balão e notam que Washington já fez muitos sobrevoos com balões espiões por aí. Apenas uma minoria das postagens dá razão às ações e suspeitas estadunidenses. Como mostra o What’s on Weibo, uma parcela considerável do público aproveitou a oportunidade para fazer chacota do “balão à deriva”.

Em semana de viagem aos EUA, o presidente Lula conversou com o embaixador chinês em Brasília Zhu Qingqiao. De acordo com o jornal Valor Econômico, a conversa girou em torno de encontros multilaterais que vão acontecer ao longo de 2023, como da cúpula do G20 e dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Outro assunto que esteve na pauta foi a ida de Lula a Pequim em março, onde deve se reunir com o presidente Xi Jinping. Na sexta (10), Lula desembarca na capital estadunidense Washington, onde se reunirá com Biden. Os dois mandatários devem conversar, sobretudo, sobre a erosão democrática nos dois países, mas há como pano de fundo a disputa comercial entre EUA e China e sobre qual posicionamento o governo Lula adotará em relação aos dois países em seu mandato recém-iniciado.

Na esteira do encontro de Lula e Zhu, foi firmado um acordo de compensação de renminbi no Brasil entre os bancos centrais dos dois países. O anúncio foi feito pelo Banco Popular da China na terça-feira (7) e, conforme reportou a Reuters, a medida pode impulsionar o comércio bilateral e facilitar investimentos.

Não está fácil para a Indonésia. Além do níquel, o óleo de palma também pressiona o meio ambiente indonésio. Uma matéria recente do China Dialogue traz a questão dos desafios ambientais da extração e venda do óleo de palma do país do sudeste asiático, olhando principalmente para o Julong Group Indonesia. A China é o segundo maior importador (atrás apenas da Índia) e a Indonésia é o maior exportador dessa matéria prima controversa — usada tanto em produtos alimentícios quanto em produtos higiênicos —, que também é pauta no Brasil. Em novembro passado, onze empresas indonésias prometeram a venda de 2,5 toneladas de produtos de óleo de palma para a China, conta a Reuters. A dependência chinesa para importar a matéria prima é pauta que já apareceu na newsletter. Ano passado, o ex-chanceler Wang Yi anunciou que o país passaria a importar mais da Malásia, por exemplo.

Descanso não é para todos. As famosas danças diárias de senhoras em praças públicas não representam a realidade de todos idosos na China. Como o Sixth Tone mostra nesta reportagem, a aposentadoria está longe de ser uma realidade para muitos trabalhadores chineses, sobretudo os migrantes. O texto traz como exemplo Xia Zengming, que dorme nas casas que constrói para economizar tempo e dinheiro. Aos 66 anos de idade, ele conta que parar de trabalhar não é possível, ainda que esteja consciente de que não poderá manter esse ritmo para sempre. Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Pequim mostra que, em 2019, ao menos 40% dos chineses disseram que seguirão trabalhando mesmo após a aposentadoria. O tema está quente no país, já que há um plano para aumentar a idade mínima de aposentadoria, que é de 60 anos para homens e 55 para mulheres. Como explicamos em 2020, a ideia inicial do governo era de ter realizado a mudança ainda naquele ano, mas a proposta ficou para 2023. A Bloomberg mostra como isso se tornou um assunto viral — e malfalado.

Found in translation. A história de familiares perdidos na China enfrenta um desafio ainda maior do que em outros países: a imensa quantidade de línguas e dialetos falados no país. Solidária à causa, Tan Yinghuan se dedicou a aprender sozinha mais de 10 variações linguísticas para ajudar familiares a se conectarem no país, como mostra esta emocionante história contada pelo South China Morning Post. Tan diz ter estudado sozinha e, mesmo mal tendo saído da sua cidade na província de Shandong, foi capaz de possibilitar a comunicação entre pessoas que perderam a conexão física e linguística. Passe um cafezinho e separe um lenço para ouvir sua história. 

Não faltam desafios. O preconceito no ambiente de trabalho é uma das questões de que sofrem as pessoas LGBTQIA+, como mostra esta pesquisa realizada na China em 2020: apenas 7,4% dos respondentes disseram que eram abertos sobre a sua orientação sexual com os seus colegas. Em 2018, um professor de jardim de infância processou sua escola ao ser demitido após postar que iria a um “evento LGBT”. Este artigo do The China Project conversa com Cui Le, que conta sobre o seu trabalho e pesquisa sobre a homofobia na academia chinesa — inclusive o escrutínio em sala de aula, o que não é desconhecido pelos brasileiros (e estadunidenses).

reforma electoral en Hong Kong

Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.

Cinema: honconguense, grátis e no conforto da sua casa. São quatro documentários, de 10 de fevereiro a 3 de março (incluindo o recente e celebrado Blue Island).

Podcast: a autora honconguense Karen Cheung deu um depoimento para o This American Life sobre o processo de decisão de deixar Hong Kong após a aprovação da Lei de Segurança Nacional.

Clube do Livro: The Impossible City, de Karen Cheung, é a nossa leitura de setembro no Clube do Livro de Literatura Chinesa. Confira as obras de 2023 e venha ler com a gente!

África: no The China in Africa Podcast, o episódio mais recente traz a discussão sobre o papel da tecnologia solar chinesa na transição energética do continente africano, com participação de Nicola Licata.

Belezura: já é tradicional a busca pelos prédios mais feios da China. A lista é publicada há 13 anos e você pode conferir aqui na matéria do Sixth Tone um pouco da história da “premiação”.

Adeus: a newsletter Chaoyang Trap, que se propunha a trazer temas para além do óbvio de China, encerrou as atividades. Já a recomendamos muitas vezes e vale revisitar o acervo — que tem pérolas incríveis sobre urbanismo, pornografia, stickers de WeChat, e mais.

Fotografia: o Yuanmingyuan (o antigo Palácio de Verão), em Pequim, era a residência principal de imperadores Qing, e a sua destruição por colonizadores virou símbolo de agressão estrangeira. Assim, volta e meia alguém revisita a sua reconstrução ou as fotografias de Shi Yangkun, como conta essa edição da Far & Near.

 


Aproveitando o embalo: uma versão digital da reconstrução do antigo Palácio de Verão.

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