Edição 183 — Didi troca Nova York por Hong Kong
Trocando NY por Hong Kong. Em anúncio publicado na semana passada em sua conta do Weibo, a Didi escreveu que “depois de um estudo cuidadoso, a empresa vai começar imediatamente a deixar de ser uma empresa listada na bolsa de Nova York, e começa a se preparar para abrir mercado em Hong Kong”. Não é de hoje que falamos aqui sobre o quanto a abertura de capital da Didi em Nova York, este ano, deu no que falar, com direito a Pequim restringindo abertura de capital das empresas chinesas no exterior. A mudança chama atenção sobre como o setor de empresas de tecnologia está no centro das preocupações de Pequim. Se você quiser entender melhor os detalhes desse assunto, recomendamos a leitura deste texto da Pekingnology, que fala sobre decisões recentes do governo central chinês que afetam o setor.
Entre 2015 e 2018, bicicletas compartilhadas eram a febre na China. O uso das magrelas no país é histórico, consideradas um dos presentes ideais para recém-casados no século XX (como conta esse texto da Macropolo). Entre ascensão e queda do seu uso, o boom dos últimos anos durou pouco. As empresas mais famosas como Bluegogo, Ofo e Mobike colapsaram quando a bolha do setor estourou. Talvez você lembre das fotos dos cemitérios de bicicletas. Aprendendo com os erros, novas empresas se aventuram em modelos mais sustentáveis, como a DiDi Bike, Hellobike e a Meituan (que comprou a Mobike). O texto da Sixth Tone fala sobre o que mudou desde então, inclusive com o crescimento do uso de bicicletas para evitar transportes lotados na pandemia. Se você está chegando agora e nunca ouviu falar sobre o assunto, cobrimos o tema desde 2018 quando começou a dar sinais de problemas. Na época, havia muita dúvida sobre qual destino essas empresas teriam e se o negócio era mesmo viável, como contamos aqui e por onde poderia seguir.
Festa da democracia. Dia 19 de dezembro devem ocorrer em Hong Kong eleições para a Assembleia Legislativa. Esse será o maior pleito realizado desde a ampla reforma eleitoral ocorrida no primeiro semestre deste ano, a qual inviabilizou a participação de candidatos de oposição. Na última votação desse porte, em 2019, 90% dos assentos foram conquistados pelos candidatos anti-Pequim, contando com a participação de 71,2% dos eleitores.
Será que os honconguenses comparecerão às urnas desta vez? Uma lei recente garante que essa seja uma decisão individual: em novembro, três pessoas foram presas por sugerirem abstenção ou voto nulo a quem não se sinta representado pelos candidatos “patriotas”. Ainda assim, uma pesquisa divulgada no final de novembro revelou que apenas 50% dos eleitores pretendem votar. A Comissão Anticorrupção local sugeriu que tal pesquisa talvez também configure crime. Pelo menos ela parece ter sido útil para o governo: na última semana, 16 jornais locais receberam anúncios encorajando a população a votar, a um custo de HK$ 3,4 milhões (aproximadamente R$ 4,7 milhões).
Logo ali do lado, teve plot twist com a prisão do magnata Alvin Chau, em Macau, no final de novembro (28). Ele é CEO do Suncity Group e foi detido (junto com outras pessoas), sob acusação de organizar apostas ilegais e lavagem de dinheiro, como conta o South China Morning Post. Cassinos (e jogos de azar em geral) são proibidos na China continental, mas a ex-colônia portuguesa é um dos principais destinos para apostas da elite mundial. Acontece que plataformas de apostas online se aproveitam dessa situação e estimulam residentes da China continental a fazerem apostas em Macau. O governo chinês está de olho e tem feito prisões em massa desde o começo desse ano. Assim, o mandado de prisão de Chau, dono de uma série de importantes cassinos na região administrativa especial, veio de Pequim, fruto de uma investigação que estava sendo feita há dois anos.
A detenção impactou as ações do Suncity Group, obviamente — mas muita gente ainda deve ficar nervosa, já que tem mais de 80 mil nomes da China continental na lista de apostadores de Chau, cuja especialidade eram os clientes VIPs. Também deve ter preocupado o pessoal do crime organizado: os cassinos em Macau têm uma longa história com esses grupos, especialmente as famosas tríades (que atuam em Hong Kong também), como conta James Palmer.
Governo de Guangdong anunciou que vai auxiliar a Evergrande a lidar com sua crise. A declaração das autoridades da província foi feita na sexta-feira (3), após conversa com o presidente da empresa, Hui Ka Yan. Ele teria solicitado ajuda do governo para o gerenciamento dos riscos durante a crise, segundo noticiou o The Wall Street Journal. Nesta segunda-feira (6), as ações da Evergrande sofreram um tombo de 20% com o anúncio de que pagamentos exigidos por credores talvez não possam ser garantidos. O governo central adotou novas medidas bancárias para aumentar a liquidez e conter os danos da crise da empresa no restante da economia, mas deixando aberta a possibilidade de que a gigante entre em falência.
Falando em incorporadoras chinesas em crise, a Kaisa também corre o risco de dar calote em seus investidores. A empresa não obteve sucesso no primeiro round de negociação com seus credores, mas segue firme tentando estender o prazo para o pagamento de uma dívida de 400 milhões de dólares (cerca de R$ 2,3 bi), conforme relata a Reuters. Ao que tudo indica, isso é, pelo menos em parte, resultado dos impactos da crise da Evergrande no mercado imobiliário chinês como um todo.
Clima tenso. As relações entre a China e a Turquia vêm se deteriorando no fim de 2021. Em outubro, Ancara assinou um manifesto em apoio à população uigur de Xinjiang (que tem origem túrquica) na ONU. E, em novembro, liderou o rebatizado do Conselho Túrquico para Organização dos Estados Túrquicos no mesmo dia (12) em que a primeira (e segunda) república do Turquestão Oriental, que incluía parte da China, foi fundada. Em seguida, o governo turco fez uma apresentação com mapas que aludiam ao separatismo da minoria na região chinesa. Após essas medidas, Pequim passou a condenar as ações do governo turco na Síria e no Iraque, classificando-as como violações de direitos humanos e de direito humanitário, sobretudo contra a população curda. As trocas de acusações são tema de matéria do The Diplomat, que analisa a escalada retórica e sinaliza que as tensões não devem diminuir tão cedo.
Inaugurada a ferrovia entre China e Laos na sexta-feira (3). A construção da estrada de ferro entre Vientiane, capital laosiana, e Kunming, capital da província chinesa de Yunnan, começou em 2016 e é o primeiro projeto do tipo realizado sob o manto da Iniciativa Cinturão e Rota a ser inaugurado, conforme reportagem do The Hindu. O trecho tem mais de 1.000 km de extensão e reduz para apenas 10 horas uma viagem que até então levava pelo menos dois dias. No sudeste asiático, o Laos é o único país sem saída para o mar e o governo espera que a nova ferrovia, capaz de transportar carga e passageiros, impulsione sua economia, apesar da dívida contraída para a realização do projeto.
A Organização Mundial da Saúde pediu para que as patentes das vacinas chinesas contra Covid-19 sejam liberadas para aumentar a produção de imunizantes em países em desenvolvimento. O órgão está em contato com as empresas Sinopharm e Sinovac, além do próprio governo chinês, para tentar viabilizar a transferência de tecnologia da produção das vacinas, sobretudo para o continente africano. Essa medida da OMS vem após os apelos junto às empresas Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Johnson & Johnson não terem rendido frutos. Na semana passada, Xi Jinping comprometeu-se com o envio de 1 bilhão de doses para países africanos.
Acabou o encontro trienal entre China e os países africanos, a FOCAC. Além da promessa de 1 bilhão de vacinas, o encontro ministerial também trouxe resultados para a agenda climática — com o lançamento de uma declaração conjunta (em mandarim) de cooperação no tema. O setor de energia renovável recebeu destaque especial, com promessas de fim aos projetos de carvão, em alinhamento com o que Xi falou na Assembleia Geral da ONU. A Panda Paw Dragon Claw cobriu alguns destaques do resultado do Fórum, como financiamentos e diplomacia da saúde. Vale conferir.
Como a “guerra fria” entre Estados Unidos e China afeta a academia? Com alguma frequência trazemos aqui textos sobre a disputa comercial e política entre as duas maiores potências do mundo. Nesta edição, trazemos duas publicações sobre o impacto dessas divergências no meio acadêmico. Esta reportagem recém-publicada pelo jornal The New York Times mostra como a busca do FBI por “espiões chineses” tem afetado a produção acadêmica nos Estados Unidos. A reportagem conta especificamente o caso de Hu Anming, naturalizado canadense, que passou meses detido em casa sob uma suspeita de espionagem que nunca foi comprovada. Em 2020, saiu um livro sobre o tema de vigilância do FBI a acadêmicos chineses desde a Guerra Fria (com reportagem resumida aqui). A revista The Atlantic traz uma interessante reflexão sobre o conceito de liberdade de expressão por Cheng Yangyang, que é chinesa e atualmente faz pós-doutorado em Yale. Ela conta como sua visão sobre o tema foi mudando entre 2009 e os dias atuais, desde que se mudou para os Estados Unidos em busca de mais liberdade.
Falando em EUA e China, o governo Biden oficializou o boicote diplomático à Olimpíada de Inverno em Pequim, a ser realizada em fevereiro de 2022. O motivo dado pelas autoridades foram violações de direitos humanos no país.
Sem Brasil. O rompimento de relações entre Caracas e Brasília deixou o Brasil de fora do principal canal de diálogo entre China e a América Latina. Como mostra Marcelo Ninio, a última reunião ministerial do Foro Celac-China não contou com a presença de brasileiros. A exclusão de Brasília não é novidade, como já falamos aqui. Porém, a reportagem de O Globo lembra que o futuro embaixador do Brasil em Pequim, Marcos Galvão, já defendeu no passado o mecanismo como “mais um caminho” para os dois países trabalharem juntos. Galvão teve sua indicação aprovada pelo Senado na semana passada e deve substituir em breve seu colega Paulo Estivallet na China. Acompanhemos.
Covid > 0. Na última quinta-feira (02), o governo anunciou medidas para viabilizar viagens entre a província de Guangdong, Hong Kong e Macau sem necessidade de quarentena. O esquema envolve o uso, com três semanas de antecedência, de um aplicativo que acompanha a localização dos usuários para estimar seu risco de contaminação. A expectativa é de que o novo esquema entre em funcionamento após as eleições de 19 de dezembro. Como já comentamos por aqui, as fronteiras fechadas têm um grande impacto econômico e demográfico em Hong Kong e a entrada de chineses do continente é uma prioridade. A ver se a chegada da ômicron vai manter o plano.
Por conta do caso Peng Shuai, a Associação Feminina de Tênis não realizará mais eventos na China. Depois de uma série de alertas, o presidente da organização, Steve Simon, anunciou a suspensão de todos os eventos na China. Simon escreveu na quarta-feira (1o) que estava preocupado com a segurança de atletas se realizassem eventos no país. Desde que a tenista publicou em sua conta uma denúncia de abuso sexual envolvendo um integrante do alto quadro do PCCh, temos trazido este tema aqui, inclusive em uma edição de nosso cafezinho. Se você quiser se aprofundar na temática, recomendamos este texto da The Atlantic, sobre as variáveis incluídas no caso Peng Shuai. Além disso, vale a leitura deste artigo opinativo de Leta Hong Fincher para o The New York Times.
Nem pichação, nem graffiti. A arte de rua na China não é tão disseminada quanto por aqui no Brasil e as explicações para isso são várias, incluindo um sem número de câmeras de vigilância eletrônica. A The Economist fez um breve panorama da cena do graffiti na China e conta que esse tipo de expressão artística vem crescendo bastante no país, sobretudo com apoio de governos locais a artistas grafiteiros. A matéria também recomenda (e nós endossamos) checar a conta chinesegraffitihub no Instagram, com inúmeros exemplos de graffiti chinês.
Sem espaço: a blogueira Zhao Hongcheng postou sobre as dificuldades que é ser uma pessoa que usa cadeira de rodas na China. Ela mostrou a sua experiência em Shanghai e viralizou nas redes, com mais de 4 milhões de visualizações. A crítica dela é que a falta de acessibilidade inibe as pessoas com deficiência (PcD) de saírem pela cidade — e que é por isso que se vê tão poucas nas ruas chinesas, pois nem as grandes metrópoles têm estrutura. Desde 2019, Zhao vem crescendo nas redes, especialmente no Bilibili, mostrando o seu dia a dia. O país tinha 85 milhões de PcD em 2018, e nessa matéria da Sixth Tone aparecem algumas das barreiras na sociedade chinesa com a questão.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Prepara: o think tank Macropolo lançou um ambicioso projeto digital de materiais para acompanhar o caminho para a transição política no 20º Congresso do Partido. Dá até para acompanhar as mudanças no comitê do Politburo.
Brasileiro-asiático: no contexto de reconstruir narrativas e identidades, o Neocha traz um texto digno de um bom cafezinho sobre quem são e o que dizem os brasileiros de origem asiática. Confira!
Delete queer: com frequência, trazemos publicações sobre como a comunidade LGBTQIA+ vem sofrendo pressão para ser esquecida e apagada da sociedade chinesa. O Rest of World traz um compilado de como isso tem sido feito na Internet.
Encontrado: relatório de final de ano da Meta (Facebook) revela o paradeiro do biólogo suíço Dr. Wilson Edwards. Ele era procurado por netizens desde agosto, quando levantou suspeitas sobre a OMS, como falamos aqui. A revelação é chocante.
E o rico cada vez fica mais rico: a jovem estudante de arte Zou Yaqi decidiu investir em um experimento para viver de graça em Pequim por três semanas. Ela fingiu ser da elite chinesa e percebeu que é mais fácil ter coisas de graça quando você pode pagar por elas (ou finge poder).
Aumenta o som: a Radii publicou uma lista com 10 lançamentos musicais de novembro na China, que podem ser escutados no próprio site. O nosso favorito é o álbum Baby, don’t be too sweet da banda Nouvelle. E o seu?
Mais acadêmico: o Instituto de Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Sussex publicou um boletim, com diversos textos, focado na atuação chinesa na área do desenvolvimento e cooperação internacional.