Edição 232 – Morre Jiang Zemin; seguem os protestos contra a política de Covid Zero
O gigante acordou? Desde o fim da última semana, imagens de chineses protestando contra a política de Covid zero ganharam o mundo. Manifestações políticas contra o governo na China continental não são tão comuns como em outros países, mas acontecem com alguma frequência. O que chama atenção nesses atos é a existência de crítica direta ao presidente Xi Jinping e o fato deles terem se espalhado por diversas localidades. A CNN contabilizou mobilizações em pelo menos 20 cidades, entre elas a capital Pequim, Shanghai, Nanjing, Wuhan, Chengdu e Chongqing. Os atos têm sido levados adiante sobretudo por jovens e estudantes. Ainda que contenham palavras de ordem criticando o governo Xi e as diretivas gerais do governo central, as políticas de Covid Zero são implementadas por governos locais e os protestos são um reflexo disso. Para as autoridades locais pesa no bolso, mas também há uma relação com a dinâmica de poder das regiões com Pequim, onde fica o governo central. As diferentes respostas (mais leves ou exageradas) de cada província/município, e como conseguem resolver problemas logísticos e de abastecimento, influenciam as frustrações populares de formas distintas.
Tudo começou depois que, na noite de quinta-feira (24), um incêndio matou 10 pessoas, ao menos cinco da etnia uigur, e deixou nove feridos em um prédio em Urumqi, capital da região autônoma de Xinjiang. Os manifestantes veem nas políticas restritivas contra a Covid-19 a causa das mortes, já que portas teriam sido mantidas fechadas enquanto o incidente ocorria e os bombeiros teriam levado duas horas para chegar ao local do incêndio por causa das medidas de lockdown — alegações que o governo local nega. Segundo as autoridades, carros estacionados ao redor do prédio teriam sido o motivo do atraso do caminhão de bombeiros. As informações ainda são conflitantes, especialmente por se tratar de Xinjiang, como discute o pesquisador James Millward neste fio.
Na sexta-feira, cidadãos foram ao prédio do governo municipal e iniciaram gritos de protestos, discutindo com oficiais. Durante o final de semana, os primeiros registros de protestos motivados pelo incêndio fora de Xinjiang apareceram em Shanghai, onde manifestantes levaram uma placa com nome de rua Urumqi, em homenagem à cidade afetada pelo incêndio. A sinalização foi retirada pelas autoridades, uma imagem amplamente veiculada nas redes sociais. Há registros de pessoas presas ou acossadas pela polícia, inclusive jornalistas, entre eles Edward Lawrence da BBC que, segundo a empresa, teria sido agredido depois de passar horas detido pela polícia de Shanghai. Na segunda-feira (28), os protestos já pareciam ter arrefecido em algumas cidades, depois que o governo enviou mais policiais às ruas, numa tentativa de contê-las. Em Guangzhou, no entanto, ainda houve conflito entre policiais e manifestantes na terça-feira (29) à noite. Na internet, há queixas de censura — esta reportagem mostra como as buscas no Twitter pelos protestos no país asiático levam a spams e imagens pornográficas. Os atos também são marcados por algumas pessoas segurando folhas de papel em branco, no que seria uma forma silenciosa de criticar a censura.
Em Urumqi, algumas restrições do lockdown foram removidas após os protestos. Contudo, até o momento, parece não haver sinais por parte do governo em alterar significativamente as políticas de Covid Zero em território nacional. Apesar do anúncio de um esforço para a vacinação de idosos acima de 80 anos e de declarações de membros do governo sobre a importância de encerrar lockdowns o mais rápido possível, a mídia estatal mantém a toada de preocupação com o vírus, ignora os protestos, e reforça que as alterações recentes devem ser mantidas, nada além disso. As novas medidas, anunciadas em 11 de novembro, já eram uma resposta a um descontentamento popular prolongado e crescente — como as “Vozes de abril”, o protesto na ponte Sitong, em outubro, e a fuga dos trabalhadores da Foxconn no começo deste mês. Este fio da jornalista Xinqi Su indica alguns eventos dos últimos 70 dias que contribuíram para o acúmulo de frustrações populares — o que desafia a especulação de que os atos do final de semana seriam motivados por interferência estrangeira, algo desmentido e ridicularizado por manifestantes. A socióloga chinesa Yan Long fez um fio defendendo a importância dos protestos: são uma expressão popular, não organizada por ativistas.
Não bastassem os protestos, morreu nesta quarta-feira (30) o ex-presidente Jiang Zemin, aos 96 anos, em Shanghai. Líder do país de 1993 a 2002, ocupou o cargo durante as grandes mudanças que marcaram a reabertura da China para o mundo, a transferência de soberania de Hong Kong em 1997, o endurecimento das relações com Taipei, a repressão ao Falun Gong em 1999 e a aproximação com os Estados Unidos. A GZH publicou uma linha do tempo dos principais acontecimentos na vida do político. Segundo comunicado da agência estatal Xinhua, a morte foi causada por leucemia e falência múltipla dos órgãos. O estado de saúde de Zemin já era motivo de especulação pública há algum tempo — especialmente depois de sua ausência no 20º Congresso Nacional. Até o momento não há detalhes sobre o funeral do estadista, mas o PCCh já se pronunciou oficialmente e bandeiras estão a meio mastro em Pequim.
Financiamento verde. Uma equipe da Bloomberg lançou um novo material sobre a emissão de green bonds, ou títulos verdes, na China. O país vem trabalhando nisso há alguns anos e hoje possui o maior mercado mundial — com 1029 títulos no valor de 300 bilhões de dólares (cerca de 1,6 trilhão de reais). Na matéria, que conta com apoio de gráficos, os jornalistas explicam como, apesar da grande promessa chinesa de resultados, a falta de transparência desincentiva investidores de fora do país. Em junho, o banco central chinês havia anunciado um novo plano para incentivar as finanças verdes nos bancos do país. O tema ressurgiu novamente, conta o China Dialogue, com o vice-diretor do banco divulgando no início do mês que o país irá testar instrumentos de financiamento na indústria para motivar a redução de emissões de gás carbônico. A questão também apareceu em um evento paralelo da COP27, trazendo discussões sobre greenwashing — aquele famoso banho de loja para parecer que você está sendo sustentável, e que não é prerrogativa chinesa.
A líder taiwanesa Tsai Ing-wen deixou a presidência do seu partido após a legenda, o Partido Democrático Progressista, perder espaço para o Partido Nacionalista (Kuomintang) nas eleições locais. Ainda que o pleito tenha um caráter mais voltado para causas domésticas — por se tratar de escolhas de prefeitos e conselhos municipais —, ele pode impactar as relações com Pequim, especialmente se o resultado se repetir nas eleições nacionais de 2024.
De olho na taça. Não tem seleção chinesa, mas tem patrocínios. A seleção de futebol masculino do país novamente não se classificou para a Copa do Mundo (o time feminino vai bem, obrigada) — mesmo com a tentativa de se tornar uma potência no esporte. Quem entrou em campo foram as empresas chinesas, que se destacam nas laterais do campo com seus logos, gastando juntas mais do que as patrocinadoras dos EUA, conta o China2Brazil. Dos 16 patrocinadores e parceiros oficiais, seis são chineses, segundo a Yicai, incluindo o conglomerado Grupo Wanda, a empresa de eletrônicos Vivo e a gigante de eletrodomésticos Hisense. A matéria também conta que o estádio de Lusail (que sediará a final) foi construído por uma estatal chinesa e os novos ônibus elétricos usados no torneio também são de empresas do país asiático. Não é de agora: em 2018, algumas das mesmas marcas chinesas já se destacavam na Copa na Rússia. Na Slow Chinese, pratique seu mandarim discutindo o slogan da Hisense para a Copa (e outras frases relacionadas ao evento esportivo).
Nem esses patrocínios e nem o protesto da seleção do Irã passaram em branco pelo público chinês. Ao se recusarem a cantar seu hino, os jogadores iranianos prestaram apoio aos manifestantes do seu país, chamando atenção no Weibo, conta o China Digital Times. Os fãs chineses (alguns frustrados com o desempenho da sua seleção) estão se entretendo também com uma experiência de Copa no metaverso. Ah, e também amaram a “tapioca homofóbica”.
São tempos de encontros. A vida diplomática de Xi Jinping parece estar bem agitada após o G20. Ele recebeu, na última semana, o presidente cubano Miguel Diaz-Canel. Durante a conversa, os dois líderes falaram sobre a importância de apoio mútuo em interesses fundamentais. Em dificuldades, o país latino-americano conseguiu renegociar dívidas com a China, sua segunda principal parceira comercial, além de conquistar novos fundos. O líder caribenho estava em um tour internacional e passou, além da China, por outros quatro países: antes de desembarcar em Pequim, ele visitou Rússia, Argélia e Turquia.
O primeiro Fórum China-Região do Oceano Índico foi realizado na semana passada em Kunming, na província de Yunnan. A reunião de cúpula foi organizada pela nova Agência Internacional para Cooperação em Desenvolvimento da China e contou com a presença de representantes de 19 países da Ásia, África e Oceania. Chamou atenção a ausência da Índia, que sequer foi convidada, como apurou o The Hindu. Outra polêmica foi que os governos das Maldivas e da Austrália negaram ter participado do Fórum, mesmo constando como signatários do comunicado final do evento. Na conferência, Pequim propôs a criação de mecanismos conjuntos para lidar com desastres marinhos e o estabelecimento de uma rede de think tanks voltada a pensar a “economia azul”.
Trabalhadores unidos. O papel dos entregadores de aplicativos na mudança das regulações de algoritmos das plataformas é o tema deste artigo de Matt Sheehan e Sharon Du para o think tank Carnegie. No início do ano, as plataformas de entrega tiveram que responder às novas exigências de regulação das autoridades. A precarização desses trabalhadores levou a discussões na China sobre políticas de seguridade social para a categoria. A decisão da Suprema Corte do país em agosto de 2021 que pôs fim ao trabalho 996, também incluía a inspeção dos algoritmos dessas plataformas de entrega. Aliás, um movimento parecido de fortalecimento dos gig workers também é visto na Índia. Deixamos mais duas dicas de leitura para se informar: o relato do dia a dia de um entregador em Pequim e o texto traduzido por Jeffrey Ding (que já foi sugestão mais de uma vez), que havia sido publicado na revista Rénwù.
E agora? Já houve quem chamasse Hong Kong de templo do capitalismo, mas a Lei de Segurança Nacional está mudando isso: segundo relatos de analistas financeiros publicados pela Bloomberg, hoje esses profissionais se censuram e tomam cuidados dignos de espiões para trabalhar. O momento também pede atenção dos católicos: na sexta-feira (25), o cardeal Joseph Zen foi julgado culpado por organizar um fundo de apoio a manifestantes contrários a Pequim. Zen foi detido e liberado em maio, junto com outros cinco organizadores, todos agora condenados a pagar multas de até 4 mil dólares honconguenses (R$ 2.770) e ainda sob investigação por conluio com forças estrangeiras. A situação de Zen se soma a outras tensões entre o Vaticano e Pequim. E pra quem a tecnologia é a entidade superior, um alerta: o governo de Hong Kong também está de olho nos resultados das buscas no Google.
A sentença de Kris Wu. Detido há mais de um ano, o cantor pop — que figurou a lista dos mais conhecidos artistas chineses —foi condenado a 13 anos de prisão por autoridades chinesas. O famoso artista, que detém passaporte canadense, foi considerado culpado após acusações de estupro feitas por uma jovem de 18 anos. O caso de Wu, conhecido na China como Wu Yifan, entra na lista de #MeToo que ganharam repercussão na comunidade do país e, como falamos aqui, foi usado como um símbolo por autoridades chinesas para conter a onda da cultura de ídolos no país.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Preto e branco: os registros do fotógrafo Andrew Wang são dignos de uma paradinha sua. A matéria da Sixth Tone traz imagens e conta sobre a carreira de Wang, que documenta tanto a rotina quanto importantes eventos do país há 40 anos.
Arte abstrata: o The China Project traz uma entrevista com o artista chinês Lan Zhenghui, mestre da arte abstrata e autor da exposição De-Ink, exibida em Nova York.
História: uma exposição explora o primeiro século da colonização britânica de Hong Kong a partir das experiências de mulheres. O SCMP conta algumas histórias (não são casos felizes).
Hora extra: não basta o dia a dia do trabalho, tem que fazer vídeo no Douyin/TikTok para se destacar como funcionário público da área de turismo, como conta essa matéria da Radii China. A estética da burocracia foi longe demais.