Edição 197 – Shanghai testa lockdown em fases para conter Covid-19
No que tem sido a pior onda de covid-19 desde 2020, o governo de Shanghai anunciou uma espécie de lockdown na cidade de 26 milhões de habitantes, a maior da China em termos de população. O fechamento será organizado em partes e com foco em testagem: na região de Pudong (lado leste, que inclui a área financeira da cidade) do dia 28 de março até 1 de abril, e na região de Puxi (lado oeste) do dia 1 de abril até o dia 5. Na quarta (23), autoridades locais negaram que ocorreria um lockdown completo. No sábado (26), também disseram que não seria possível fechar a cidade dada a sua importância econômica para a China e relação com o comércio internacional, conforme conta o Global Times.
Para conter a pandemia e garantir que uma disrupção não seja total, o governo experimenta alternativas. O método atual foi criado usando uma divisão em blocos, com distribuição de autotestes de antígeno. A notificação inclui o fechamento de serviços não essenciais, transporte público suspenso nas regiões fechadas e trabalho remoto quando possível. Nas redes sociais, como mostra Manya Koetse, alguns vídeos circulam de compras em excesso e mercados com itens faltando, como vimos em diversos lugares do mundo no começo da pandemia.
Camarão que dorme… Os números da quinta onda de Covid-19 começam a baixar em Hong Kong. Segundo dados do governo, no último domingo (27) foram reportados 151 óbitos e 8.037 novas infecções, embora haja suspeitas de subnotificação de autotestes. Ao que tudo indica, essa queda não será suficiente para reeleger a CEO Carrie Lam: durante coletiva de imprensa no domingo, ela comentou que qualquer investigação sobre o desempenho de seu gabinete na luta contra a Covid-19 teria de ser feita pelo próximo governo — e que ela estaria disposta a contribuir como orientadora. Significa? O período de nomeação de candidatos se inicia no dia 3 de abril, então o mistério não deve durar muito.
Dados são o novo petróleo, gás, etc. O ano de 2022 mostra que o governo chinês leva cada vez mais essa premissa a sério. Como apareceu no Protocol China em fevereiro, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma anunciou o lançamento de uma política para ampliar a capacidade de processamento de dados do país. O projeto também veio do think tank governamental CAICT e foi criado em 2020, com um nome que fica mais ou menos como “Dados do Leste, Computação do Oeste”. A ideia é criar centros de processamento de alta capacidade, usando energia mais barata, renovável (e, portanto, mais sustentável) nas regiões mais pobres do oeste, com dados coletados nas regiões mais prósperas do leste — que têm energia mais cara. Uma inspiração para essa “otimização” do espaço nacional foi o South-to-North Diversion Project (do qual já falamos aqui), que pretende redirecionar águas de alguns rios do país.
Na semana passada, a China Telecom e China Unicom, empresas de telecomunicações, anunciaram aceleração na construção de centros que se adequem ao planejamento do projeto. A Huawei também está ligada, como mostra este texto publicado recentemente no site, refletindo sobre a importância da infraestrutura das redes para que o projeto dê certo. Isso tudo se alinha com o 14º Plano Nacional de Informatização, lançado pelo governo em janeiro (como contamos aqui). Para ler também uma reflexão e análise do plano, vá lá no DigiChina.
Por falar nela, a Huawei voltou à pauta esta semana com duas notícias: a reaparição de Meng Wanzhou e o posicionamento da gigante de tecnologia chinesa diante das sanções impostas à Rússia, devido à guerra com a Ucrânia. Em resposta a uma pergunta de um repórter, Guo Ping, que ocupa a presidência rotativa da companhia, disse que a Huawei está preocupada com os desdobramentos da guerra para a população atingida e que a possibilidade de aderir às sanções ainda está sob análise cuidadosa. Durante o mesmo evento, em que a empresa reportou crescimento de 76% dos lucros em 2021, na segunda (28), Meng Wenzhou fez sua primeira aparição pública desde que retornou à China após passar um período em prisão domiciliar no Canadá.
Na última sexta-feira (25), houve uma conversa por telefone entre Xi Jinping e o recém eleito presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol. Segundo a mídia chinesa, Xi teria destacado que os países são vizinhos permanentes e parceiros inseparáveis, ressaltando o papel dos dois países em garantir a estabilidade industrial global e as cadeias de suprimento. Oficiais sul-coreanos afirmaram que esta foi a primeira vez que um líder chinês ligou para um chefe de estado sul-coreano antes da posse. Como já comentamos, a novidade não é sem razão: Yoon Suk-yeol deve buscar uma aproximação maior com Washington e Tóquio, além de ter criticado a proximidade de seus antecessores com Pequim. A relação China-Coreia do Sul é ainda mais relevante neste momento em que Pyongyang, próxima a Pequim, testa mísseis e faz advertências aos EUA.
Países da Ásia Meridional foram o destino de visitas do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, na semana passada. A primeira viagem foi ao Paquistão, para uma reunião da Organização da Cooperação Islâmica, da qual Wang participou como observador. O primeiro-ministro paquistanês Imran Khan sugeriu que a China medie o conflito na Ucrânia junto de países islâmicos, segundo a Reuters. Na reunião, Wang, por sua vez, teceu comentários sobre a Caxemira que desagradaram a Índia ao apoiar a autodeterminação da população de maioria muçulmana na região. Em conversas bilaterais, a China também concordou com o adiamento do pagamento de dívidas de Islamabad.
Quinta-feira (24) foi dia de uma parada surpresa no Afeganistão para conversas com o Talibã, nas quais se conversou sobre cooperação na indústria de mineração e sobre combate a grupos terroristas que possam atacar a China, em uma referência indireta à questão de Xinjiang. Apesar de Pequim ainda não reconhecer oficialmente o governo do Talibã no país, parece que as relações voltaram “ao normal”, como assinala Shannon Tiezzi para o The Diplomat. Vale lembrar também que esta semana a China vai sediar uma reunião de cúpula regional para discutir a situação humanitária no Afeganistão.
Já na sexta-feira (25), Wang foi para a Índia, país com quem a China tem relações tensas pelo agravamento de questões fronteiriças que se intensificaram em 2020. Debateram sobre a próxima reunião dos BRICS, a normalização das relações bilaterais e a situação da Ucrânia. Chamou a atenção da DW o fato de que ambos os países pediram por um cessar-fogo na Ucrânia sem condenarem a invasão russa.
O Nepal foi o último destino de Wang. No fim de semana, foram assinados nove acordos bilaterais de cooperação em diversos setores, de economia e tecnologia a infraestrutura e saúde pública. O SCMP noticiou em particular o alerta que a China fez sobre a possibilidade de interferência estrangeira no país após Catmandu ter aprovado um acordo de financiamento de obras de infraestrutura por parte dos EUA, medida altamente contestada por parte da população do Nepal. O país vizinho é estratégico para os chineses, não apenas pelos investimentos feitos por meio do Cinturão e Rota, mas também por ser uma região politicamente sensível: o planalto tibetano.
Vazou em redes sociais o texto de um possível acordo securitário entre as Ilhas Salomão, país-arquipélago no Pacífico, e a China. A autenticidade do documento não foi atestada pela CNN. Porém, o governo salomonense confirmou existirem tratativas com Pequim para um aumento na cooperação em defesa e segurança pública. Além de Austrália e Nova Zelândia, a aproximação de Pequim com Honiara preocupa os EUA, que recém abriram uma embaixada no país, porque poderia pôr em xeque sua dominância no Pacífico. As Ilhas Salomão afirmam, no entanto, que a aproximação com a China não deve afetar os laços já existentes com esses países.
Confirmação das vítimas do acidente aéreo. Nesta segunda-feira (28), o governo da China declarou que testes de DNA confirmaram as identidades de todas as 132 pessoas que estavam a bordo do voo MU5735. Além do material que permitiu essa análise, durante o final de semana foi recuperada a segunda das duas caixas-pretas do avião. Ambas foram entregues para análise de especialistas de Pequim com colaboração dos Estados Unidos, país de origem do Boeing 737-800. Por precaução, a China Eastern Airlines decidiu manter estacionada sua frota de 223 unidades desse modelo de avião. O pouco que se sabe sobre a tragédia ocorrida na última segunda-feira (21) se tornou motivo de especulação e boataria entre netizens, levando pelo menos 279 mil postagens a serem apagadas de redes sociais a pedido do governo. O China Media Project fez uma análise da cobertura midiática sobre o assunto e a recepção do público, vale a leitura.
Sem Oscar. Se o famoso prêmio de Hollywood em 2021 teve a China no centro do debate, isso não se repetiu este ano. O documentário Ascensão, dirigido por Jessica Kingdon, cujo avô era um poeta chinês, é um retrato sobre a China moderna e a busca pelo “sonho chinês”. A Variety traz uma resenha sobre a obra, que não saiu vencedora da categoria de melhor documentário. Confira o comentário de uma produtora assistente do filme. O Sixth Tone também traz uma resenha, dizendo que se trata de um filme sobre a China que merece ser assistido. Assim como no ano passado, a cerimônia não foi transmitida ao vivo pela TV chinesa.
Influencer do feminismo. Tratar sobre temas como sexo e direitos femininos na China não é um assunto simples, seja pela cultura mais reservada, seja pela censura. Na contramão disso, a feminista Alex Chang — que tem mais de um milhão de seguidores — tem usado sua conta no Weibo para falar de temas como menstruação, direitos reprodutivos e violência contra mulher. Como mostra o Radii China, ela afirma que, mesmo que não possa falar sobre tudo, ela tem tentado abordar alguns temas específicos. Recentemente Chang lançou uma série sobre questões vinculadas à menstruação.
Uma China mais deprimida? Pelo menos entre crianças e adolescentes, é o que mostra este texto da Caixin, segundo relatos do médico Cao Qingjiu, do departamento do Hospital da Universidade de Pequim. De acordo com ele e com dados do Instituto de Psicologia da Academia Chinesa de Ciência, a taxa de depressão entre jovens e adolescentes na China é de 24,6%, com 7,4% de casos severos. O especialista relaciona este dado também com questões ligadas à pandemia, mas não apenas. Ele também alerta para uma baixa quantidade de especialistas em psiquiatria infanto-juvenil. O tema da depressão na população chinesa já tinha aparecido aqui antes. Estima-se que 95 milhões de pessoas vivem com a doença na China.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Não é Turma da Mônica, mas quase: projeto para ler quadrinhos chineses tradicionais lança plataforma. A ReadChina inclui traduções para o inglês dessas obras, os liánhuánhuà 连环画, que eram muito populares no país até os anos 80. Resgatamos esta matéria do Radii China sobre o tema.
Reinvenção profissional: este documentário da 箭厂ArrowFactory Doc conta como duas professoras estão se virando após o banimento de aulas extracurriculares na China.
Falando em documentário: o The Diplomat publicou um texto de Crystal Chow com um panorama da nova cena de cineastas independentes em Hong Kong e como vêm desafiando os limites da Lei de Segurança Nacional.
Gente: pessoal da 闯 Chuǎng foi atrás de algumas respostas para perguntas que frequentemente seus contribuidores chineses e seus familiares recebem e lançou uma espécie de FAQ. Por exemplo: o que as pessoas não filiadas pensam sobre o Partido Comunista?
Wang Huning: quem nos acompanha sabe que consideramos esse intelectual fundamental para entender a China contemporânea. Agora The New York Times também chegou a essa conclusão.
Tons de primavera: no hemisfério norte as temperaturas têm aumentado com a chegada da estação e o Raddi China fez uma seleção de músicas chinesas recém-lançadas para celebrar as flores.