Edição 202 – Chineses são alvo de ataque no Paquistão e tensão na imprensa em Hong Kong
Tente outra vez. Nem mesmo os planos de trocar a bolsa de Nova York por Hong Kong parecem estar dando certo para a DiDi. Quase cinco meses depois de anunciado, o plano não saiu do papel. De acordo com esta reportagem do SCMP, a companhia apertou o freio após receber uma sinalização de que não atende aos pré-requisitos para a abertura de capital. Isso só aconteceria, de acordo com pessoas próximas ao assunto, depois de a DiDi fazer uma série de retificações para atender por completo aos parâmetros solicitados pelo administrador do ciberespaço da China.
Por outro lado, o The Wall Street Journal publicou na semana passada que Pequim deve dar um tempo nas punições a empresas de tecnologia, alvos de uma forte onda regulatória iniciada no ano passado. De acordo com o veículo, as autoridades devem se sentar nas próximas semanas para conversar com representantes das principais big techs, numa tentativa de chegar a acordos em um momento em que a economia chinesa se encontra em dificuldades pelo cenário da Covid-19.
Bom, mas precisa melhorar. A qualidade do ar das cidades chinesas é tema de debate há mais de uma década. Ainda que o país tenha conseguido avançar na pauta, há muito o que fazer, como mostra a Reuters. Uma força tarefa estatal anunciou na semana passada que Pequim deve rever os parâmetros de qualidade das condições do ar. O texto lembra a campanha lançada em 2013 e mostra que, embora o número de partículas por metro cúbico de ar tenha caído pela metade desde 2015, os níveis seguem acima dos padrões recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ainda na pauta ambiental, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências estimam que a degradação do solo fértil no país deve impactar severamente o plantio de alimentos. A produção de soja, por exemplo, pode cair até 40%, se a matéria orgânica no solo não for preservada. O governo central vem adotando medidas para aumentar a fertilidade do solo e coibir o tráfico ilegal de terra preta, mas que ainda são muito tímidas, segundo o The Japan Times. A segurança alimentar na China e no mundo, e as dificuldades causadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, foram tema de matéria na Caixin.
Sem diversão. Com o avanço da Covid-19, Pequim adotou na semana passada uma série de medidas bastante restritivas, num cenário que mais se aproxima ao vivido nos primeiros meses de pandemia em 2020. A cidade programou uma série de testagens em massa, além de fechar locais como o parque da Universal, restaurantes, bares e baladas. Uma série de prédios públicos agora exigem a apresentação de testes negativos para Covid-19 com validade de 48 horas. A ideia é evitar que a situação de Shanghai se repita na capital.
Enquanto isso, Shanghai segue fechada e com aumento do número de mortes por Covid-19. Casos que chamaram atenção nesta semana foram o envio, por engano, de um idoso ao necrotério enquanto ainda estava vivo e o de uma mulher que viveu um mês em uma cabine telefônica antes de ser despejada pelos oficiais sanitários.
Enquanto enfrentam a circulação da ômicron pelo país, os chineses passaram a testar a primeira vacina de vírus inativado a partir dessa variante. Isso tudo coincide com um dos maiores feriados do primeiro semestre do ano, o Dia do Trabalhador, que é celebrado entre 30 de abril e 4 de maio. A data, que costumava ser período de grande circulação interna, deve ter viagens bastante reduzidas, com recomendação do governo para evitar deslocamentos que não sejam de extrema necessidade.
Atentado terrorista no sul do Paquistão vitimou três chineses e um paquistanês e deixou vários feridos na última terça-feira (26). Realizada por uma mulher-bomba, a explosão aconteceu no portão da sede do Instituto Confúcio na Universidade de Karachi e sua autoria foi reivindicada pelo Exército de Libertação do Baluquistão (ELB). As vítimas eram funcionárias do Instituto. Segundo noticiou a Al Jazeera, o ELB demanda que a China deixe de explorar e ocupar o Paquistão, especialmente o Baluquistão, e ameaçou realizar novos ataques. Na quarta-feira, o governo chinês exigiu que o governo paquistanês tome as medidas necessárias para investigar e punir os responsáveis e para garantir a segurança de cidadãos chineses no país. Vale lembrar que atentados a trabalhadores chineses no país não são novidade, como já comentamos. A DW e o India Today publicaram análises sobre como o ataque terrorista pode impactar a Iniciativa Cinturão e Rota, especialmente os projetos do Corredor Econômico China–Paquistão (CPEC).
A propósito, Zenel Garcia e Umer Rahman escreveram um texto para o The Diplomat mostrando que governos locais de províncias da China e do Paquistão são mais determinantes para o desenvolvimento do CPEC do que comumente se presume.
O atentado na cidade portuária de Karachi veio em um momento de preocupação chinesa com a estabilidade regional. A China pediu calma e diálogo ao Paquistão e ao Afeganistão, após o primeiro ter feito um ataque aéreo em território do segundo sob pretexto de combate ao terrorismo que deixou 47 mortos, alegadamente civis. Durante o Ramadã também aconteceram diversos atentados no Afeganistão, alguns atribuídos ao Estado Islâmico. O ex-embaixador indiano M. K. Bhadrakumar especula que uma guerra civil está fermentando no Afeganistão a despeito dos esforços de Pequim. Para a Foreign Policy, Lynne O’Donnell escreveu um texto argumentando a incapacidade do Talibã em prover segurança no próprio país, o que o tornaria um santuário de grupos terroristas. Vale lembrar que essa é uma das principais preocupações de Pequim após a tomada de Cabul pelo Talibã, sobretudo por causa de Xinjiang, como discutimos por aqui.
Aliás, chegaram à China os membros da equipe da ONU que vão visitar Xinjiang. As cinco pessoas estão fazendo quarentena obrigatória em Guangzhou antes de irem para a região autônoma. A equipe deve fazer os preparativos para a visita da Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, prevista para ocorrer ainda em maio. O objetivo é averiguar a situação dos uigures em Xinjiang.
China e Irã concordaram em aprofundar a cooperação militar bilateral. Na visita do ministro da Defesa chinês, Gen. Wei Fenghe, a Teerã na quarta-feira (27), os dois países anunciaram que pretendem compartilhar mais informações estratégicas e realizar mais exercícios militares conjuntos, conforme o Middle East Monitor. A mídia iraniana assinalou que a cooperação de defesa é apenas uma parte do amplo acordo de intensificação de laços bilaterais, sobre o qual comentamos. Ainda sobre o Irã, a China vem declarando seu apoio ao país após as negociações sobre a retomada do acordo nuclear terem sido interrompidas pelos EUA, segundo o SCMP.
Um alívio. Foi assim que o pesquisador da Universidade de Fudan, Yan Shaohua, definiu o resultado das eleições francesas da semana passada. A vitória de Emmanuel Macron, segundo o texto do acadêmico, garantirá a estabilidade das relações entre a França e a China. Yan também defende que Macron é a figura ideal para manter um equilíbrio nas negociações entre europeus e chineses. O SCMP mostra que, logo após a divulgação do resultado das eleições francesas, Pequim fez um apelo para que o presidente reeleito mantenha o país no caminho da independência estratégica. Xi Jinping enviou mensagem para cumprimentar Macron pela vitória já no dia seguinte. Para uma análise mais detalhada sobre como Pequim vê a manutenção do líder francês no poder, não deixe de ler esta edição da Beijing Channel.
Liberdade de imprensa foi uma pauta forte em Hong Kong na última semana. Na segunda-feira (25), o Clube de Correspondentes Estrangeiros local anunciou o cancelamento da sua premiação anual focada em direitos humanos, alegando insegurança em relação à Lei de Segurança Nacional (LSN). A mesma lei também é o que motiva a maior associação de jornalistas local a considerar encerrar suas atividades. O jornal Hong Kong Free Press obteve e publicou a lista dos escolhidos para o prêmio que não houve: além de laurear jornalistas e veículos de lugares que enfrentam tensões democráticas neste momento, como Tailândia, Myanmar e Afeganistão, os avaliadores também dedicaram nove prêmios para o honconguense Stand News. O veículo foi encerrado no início do ano por conta de uma operação governamental, como contamos aqui — o que sugere que esse teria sido o motivo da preocupação do Clube de Correspondentes.
Mas essa tensão não é exclusividade da mídia. A LSN também vem tendo consequências para a justiça local, como o anúncio do fim das operações da agência de advocacia que representa manifestantes presos. Já no setor acadêmico, Chung Kim-wah, um dos executivos do centro de pesquisas de opinião pública mais importante da cidade, avisou via mídia social que agora vive no Reino Unido por não aguentar mais as intimidações que sofria em Hong Kong. O centro de pesquisas há pouco precisou se desfiliar da Hong Kong University, que agora discute disciplinar estudantes que possam constranger a instituição. A HKU, como todas as outras universidades locais, se desfez de sua união estudantil depois da aprovação da LSN. O impacto da lei no meio acadêmico da cidade já é tema até de artigo científico.
Adiós, China. Se nas Olimpíadas de Inverno Gu Ailing (Eileen Gu) caiu nas graças dos chineses ao escolher competir pelo país asiático e levar duas medalhas de ouro, o impacto de sua partida da China foi outro. A atleta, que é de origem chinesa, mas nascida nos Estados Unidos, foi alvo de críticas ao postar em suas redes sociais uma mensagem de adeus a Pequim, onde passou os últimos meses. A partida dela acontece logo depois de outra imagem sua ter viralizado no país: um vídeo em que um homem, após conseguir uma selfie com a atleta, parecia impedi-la de seguir adiante. Logo em seguida, ele recebeu críticas e disse que pretendia apenas garantir a segurança de Gu nas ruas de Pequim.
Querido diário. O caos que tem acontecido em Shanghai impulsionou uma série de manifestações dos residentes da megalópole, inclusive o vídeo de que falamos na semana passada. As excelentes Chaoyang Trap e Far&Near se juntaram numa edição especial que traz registros e diários poéticos ou tristes de quem está isolado na cidade — mas todos buscando enfrentar a solidão. Muitos deles são em formato de quadrinhos, para burlar de diferentes modos a censura que ocorreu com o vídeo Vozes de Abril. Também indicaram esta conta, que amamos, de gourmetização visual das refeições sem graça de hotel de quarentena (comidas feias aqui não). Já este texto do Made in China Journal é uma recomendação nossa e explica como podcasts e diários em formato de áudio tem um papel fundamental na vida comunitária da população em lockdown em Shanghai — um contraponto aos outros sons constantes: avisos tocados em megafone e caixas de som.
Outra manifestação comunitária tem sido o uso de crowdsourcing em Shanghai, como conta essa matéria de Shen Lu e Liza Lin para o The Wall Street Journal. O uso de tabelas colaborativas e organização comunitária, por exemplo, também aconteceu durante o fechamento de Wuhan. Alguns exemplos são planilhas para ajudar pessoas a encontrarem medicamentos ou tratamento médico, conectar donos de pets com abrigos temporários, além das compras em grupo (que comentamos semana passada). Em Shanghai parece ser menos vinculada ao governo e mais auto-gerida, considerando as diferentes estruturas de residência da cidade.
Um ambiente virtual mais saudável é seu objetivo. Como atingi-lo? Segundo o Weibo, vale expor de onde sai cada publicação feita nas mídias sociais — a informação varia, podendo ser a região, cidade, província ou país do usuário. A publicação compulsória de IPs pegou os netizens de surpresa. O What’s on Weibo analisou o assunto, destacando a localização improvável de algumas celebridades (Bill Gates em Shanghai), observando quem não teve o IP exposto (um comentarista do estatal Global Times) e como os usuários das redes sociais reagiram à mudança.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Cultura vulgar: Xia Cheng’an faz obras de gosto um tanto quanto questionável justamente para discutir quem determina o que é ou não arte. Não deixe de conferir as imagens esteticamente bizarras (será?) na matéria do Radii China.
O horror da indústria: a The World of Chinese publicou uma interessante matéria explicando por que filmes de terror produzidos na China não conquistam o público e as dificuldades do gênero no país.
Fotografia: pra fugir do tédio na quarentena, moradores de Shanghai entraram numa competição de fotografia de cebolinhas no WeChat. Fez tanto sucesso que vai pra segunda edição. As fotos são imperdíveis.
“Preciso de um corte de cabelo”: o artista Simon Fong criou pôsteres com estilo parecido aos da era Mao fazendo piada com diversas situações pandêmicas, como a falta de corte de cabelo, os testes e a dificuldade de comprar certos materiais durante o fechamento de Shanghai. No Instagram dele tem mais.
Arte baseada em dados: a artista Zeng Siqin fez obras pareando personalidades, paletas de cores e flores. Os resultados incríveis do projeto Flower: Portraits of Personality podem ser vistos na NeoCha.
Das longas: a reflexão de 75 mil palavras (em mandarim) do analista Pinglungshui sobre a internet chinesa e a modernidade (e pós-modernidade) traz vários pontos para pensar. Para quem não quer investir 188 min. Lillian Li selecionou os trechos mais provocantes e traduziu para o inglês.