Edição 272 – Com mão de obra barata, IA floresce até no livestream
Já atualizou sua carteira digital? O Banco Popular da China (PBOC) atualizou, em 15 de setembro, seu aplicativo de carteira digital para a moeda chinesa. Em fase piloto, ele agora permite que usuários de 17 províncias usem a moeda digital para pagar contas de serviços essenciais, como água, gás, eletricidade, aquecimento e telefone. A estratégia de expansão das funções do e-CNY, sigla para o yuan digital, está em curso há alguns anos. O PBOC, o Banco Central Chinês, vem promovendo o uso da moeda em mais cenários de pagamento desde o seu lançamento, em 2019.
Desenvolvimento. Não é difícil encontrar notícias mundo afora apostando no colapso econômico da China – sobretudo pós pandemia. É com esse pano de fundo que Antara Haldar, professora da Universidade de Cambridge, discute o que esse suposto cataclismo teria a dizer sobre a teoria de desenvolvimento da China e o Consenso de Pequim — como é chamado o “Modelo de Pequim”, sobre a economia do país asiático —, em contraposição ao Consenso de Washington, que reza a cartilha neoliberal. Provocativo, o editorial de Haldar argumenta que o modelo econômico chinês não é assim tão distinto do estadunidense A diferença é um pouco mais intervencionismo e menos moralismo, mas dentro da lógica de capitalismo liberal preconizada por Washington. O artigo vale um bom cafezinho e rende boas (e acaloradas) discussões.
Foco na educação em Xinjiang. Wang Huning, membro do comitê permanente do Politburo e chefe da Conferência Consultiva do Povo Chinês, pediu mais apoio para a educação, trocas culturais e colaboração nacional voltadas a Xinjiang. O apelo foi feito durante uma conferência bienal na última quarta-feira (20). O político também reforçou a necessidade de foco na estabilidade social, segurança a longo prazo e um forte senso de “comunidade da nação chinesa” – tópicos recentemente destacados por Xi Jinping em visita à região. Poucos dias depois, foi recusado o apelo da professora e pesquisadora uigur Rahile Dawut, sentenciada à prisão perpétua por separatismo, uma forma de “ameaça à segurança do estado”. Dawut é especialista em folclores e tradições uigures e fundou um centro de pesquisas de minorias étnicas na Xinjiang University College of Humanities, onde trabalhou durante sua detenção em 2017. O julgamento inicial, realizado em segredo, ocorreu em 2018. Segundo grupos que advogam pelos direitos dos uigures, mais de 400 intelectuais e artistas estariam detidos em Xinjiang.
A crise do balão. Quase oito meses depois, o episódio do balão chinês que foi derrubado pelos Estados Unidos por sobrevoar seu espaço aéreo sem permissão ainda está rendendo. O The New York Times publicou uma reportagem falando que o episódio de fevereiro teria provocado a irritação de Xi Jinping com generais chineses de alto escalão. O líder chinês teria se queixado de ter sido pego de surpresa sobre a mudança na rota do balão. O texto do NYT mostra com exclusividade pela primeira vez os bastidores da operação do início do ano, e tem como base relatórios da inteligência estadunidense. Apesar de todo o comentário que o balão gerou à época, a acusação dos EUA — de se tratar de um satélite espião chinês — não se comprovou. Este não foi o único episódio de troca de acusações sobre espionagem envolvendo a China este ano. Teve o caso recente do Reino Unido, e agora outro no Sri Lanka.
Apoio real ? Desde antes da pandemia, o presidente Xi Jinping não comparece à Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada anualmente em setembro em Nova York. O compromisso chinês com o multilateralismo tem sido colocado em questão, já que Xi também se ausentou de cúpulas como o G20, como contamos recentemente. Apesar disso, no discurso, o país asiático adotou tom de apoio e comprometimento. Coube ao vice-presidente chinês, Han Zheng, afirmar os compromissos de que a China continuará apoiando as Nações Unidas em seu papel central e ajudará no da reforma do sistema de governança global.
Muy organizado. Uma nova investigação do think tank InSight Crime aponta para o crescimento do crime organizado chinês no Chile. A atuação seria de uma gangue de Fujian (grupo Bang), e cresceu no âmbito do tráfico de maconha, envolvendo tráfico de pessoas para trabalharem nas plantações e exploração sexual, segundo o autor Chris Dalby. O texto também indica que ao menos quatro investigações foram realizadas pelas autoridades chilenas nos últimos anos sobre essa questão. Em 2020, contamos do crescente envolvimento de empresários chineses com cartéis de drogas na Colômbia e no México.
Dá trabalho mesmo. Para esta matéria da Rest of World, as jornalistas Viola Zhou e Caiwei Chen investigaram como estudantes de escolas de ensino técnico estão estagiando em empresas que usam IA, fazendo anotações (ou rotulando) de dados. Para treinar uma quantidade vasta de dados por um preço baixo, essas empresas contratam alunos para realizarem o cansativo – e ironicamente, robótico – trabalho de categorizar e catalogar dados brutos que possam treinar modelos de inteligência artificial como o ChatGPT. O pulo do gato é que o estágio (de 8h, seis dias por semana e por cerca de seis meses) é obrigatório para a formatura. Não é novidade que grupos em desvantagem socioeconômica acabam sendo atraídos para esse mercado por trás do uso de grandes quantidades de dados – como contamos das mulheres com filhos e sem ensino formal no interior da China.
Oi, Lu? Os livestreams de celebridades chinesas oferecendo produtos já são bem conhecidos aqui no Brasil, do Rei do Batom às jovens fazendo transmissões nas esquinas de bairros ricos. Mas o mercado de 4,6 trilhões de dólares (em 2022) agora traz novidades na forma de apresentadoras disponíveis 24 horas por dia, todos os dias: influenciadoras deepfake. Como conta o MIT Technology Review, por mil dólares e em apenas um minuto de treinamento, você cria sua própria garota-propaganda. E tem mais: com um pouco mais de investimento, as inteligências artificiais também tornam a apresentadora poliglota. Uma parceria entre as empresas Xiaoice e Quantum Planet oferece deepfakes que falam até 129 idiomas – em março, uma dessas criações chegou a vender 2 mil dólares em móveis em uma hora para o mercado tailandês. Pelo menos, agora está tudo regulado e ninguém corre o risco de ser garota-propaganda surpresa.
Viva o antagonismo de gênero. Apesar da censura, o feminismo chinês online influencia – e muito. A Rest of World fez uma longa reportagem traçando um histórico da repressão a feministas na internet chinesa. Em entrevistas, a jornalista Wanqing Zhang colheu depoimentos de mulheres que mudaram suas realidades, superando abusos de parceiros e familiares e decidindo viver de acordo com os próprios valores, após refletirem sobre as postagens de ativistas. Uma entrevistada chega a afirmar que considera que toda mulher na China que usa mídias sociais é membra da comunidade feminista. As plataformas chinesas chegaram ao ponto de banir usuárias por razão de prática de “antagonismo de gênero”. O movimento afronta diretamente algumas pautas caras ao governo, como o apelo para que os jovens se casem e tenham filhos, e a leniência em casos de abuso sexual.
Podcast: o Tech won’t save us conversou com Yangyang Cheng, pesquisadora da Yale Law School, sobre como a retórica da rivalidade sino-estadunidense serve apenas para distrair o público dos problemas causados pela tecnologia.
O guarda e eu: em 2015, a jovem ativista Li Tingting (ou Maizi) se tornou famosa como uma das cinco feministas detidas pelas autoridades por protestos contra assédio na China. Mas antes, em 2012, Li já havia sido “designada” para um jovem policial, Lao Gao. Este texto dela conta do relacionamento obrigatório com Lao ao longo de 10 anos.
Encontros: em 2022, o site de streaming chinês Bilibili e a BBC fizeram uma parceria para a produção da série Rendezvous with the Future, sobre a ciência da obra do autor de sci-fi Cixin Liu. Os três episódios, com participação do autor, estão disponíveis de forma integral para assinantes.
Agora a IA foi longe demais: já falamos sobre artistas chineses que usam inteligência artificial para criar “fotografias” de momentos históricos, mas uma “selfie sintética” d’O Rebelde Desconhecido causou algum furor ao aparecer nos primeiros resultados de busca do Google Imagens.
Outra Pequim: um documentário sobre um coral de filhos de trabalhadores imigrantes na capital chinesa tem chocado o público e agradado espectadores e crítica. Bitter Sweet Ballad, de Liang Junjian, é assunto na Sixth Tone.
Levemente esnobados fora da região, os Jogos Asiáticos tiveram início em Hangzhou no sábado (23). Esta 19ª edição tem recorde de número de atletas (mais de 12 mil). A cerimônia de abertura chamou atenção, já que os fogos de artifícios tradicionais foram trocados por uma versão digital.