Edição 208 – Vídeo de mulheres sendo agredidas provoca revolta nas redes chinesas
A dança das cadeiras já começou. Antecedendo a realização do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCCh), cargos importantes já vêm sendo redistribuídos entre correligionários. Chamou atenção a ascensão de Lü Yansong — único sobrevivente do bombardeio da embaixada chinesa em Belgrado pelos EUA em 1999 —, que até então era vice-diretor do Departamento de Propaganda do PCCh, ao cargo de Editor-Chefe da agência de notícias Xinhua. Lü substitui Fu Hua, que foi alçado à presidência da Xinhua. Outras mudanças importantes são a chegada de Liu Jianchao à Direção do Departamento de Relações Internacionais do PCCh — Liu é cotado para assumir o posto de ministro das Relações Exteriores após a provável aposentadoria de Wang Yi até o final de 2022 — e de Li Shulei à vice-direção executiva do Departamento de Propaganda. Li é um dos especialistas em história e teoria do PCCh favoritos de Xi Jinping desde que trabalharam juntos entre 2007 e 2012 e deve ter grande influência sobre a ideologia do partido nos próximos anos, quiçá substituindo Wang Huning no futuro. Todos esses são cargos de destaque e as promoções de seus novos ocupantes sinalizam que eles devem ser candidatos no mínimo ao Comitê Central do partido — Li talvez almeje o Politburo —, conforme análise da Macropolo.
Além do texto do nosso editor Bruno Gomes Guimarães sobre a importância e os significados do 20º Congresso Nacional, recomendamos também a análise de Cheng Li, diretor do Centro de China da Brookings, sobre o que esperar dessa grande troca de lideranças políticas nos meses que antecedem o evento. Segundo estimativas de Cheng, ⅔ do Comitê Central, metade do Politburo e metade do Comitê Permanente (o órgão supremo do PCCh) devem ser renovados, trazendo membros de gerações mais novas. Mas ainda pairam muitas incertezas, pois algumas regras formais e informais internas podem ser bastante flexibilizadas, especialmente se Xi Jinping for confirmado na liderança do partido e do país em outubro.
Hello, Goodbye. Na última quinta-feira (9), a CEO de Hong Kong Carrie Lam realizou sua última sessão de perguntas e respostas com representantes do Conselho Legislativo. Segundo destacou o Hong Kong Free Press, Lam afirmou ter sido movida por um um forte senso de missão histórica ao longo dos seus cinco anos à frente do governo. Ela disse ainda não ter vergonha do trabalho que fez e que (apesar dos maus momentos com a Covid-19 e as maiores manifestações em Hong Kong desde a transferência de soberania em 1997, que lhe garantiram uma impopularidade recorde) julga que este seja um encerramento perfeito para seus 42 anos de serviço público. Seu sucessor John Lee assumirá o cargo em 1º de julho. Nesta semana, Lee entrou com um pedido de isenção legal por uma irregularidade cometida durante sua campanha solitária. No final do mês de maio, ele esteve em Pequim para um encontro com Xi Jinping, que exaltou o futuro CEO por seu patriotismo.
Privatização de cidades. A urbanização chinesa é um dos fenômenos mais visíveis dos últimos 40 anos no país, especialmente por conta do papel do governo nesse processo. Só que a pequena Jiaolong, localizada na província de Sichuan, teve um processo de urbanização baseado em uma parceria público-privada. Antes um parque industrial, acabou virando cidade e até hoje é uma combinação de coordenação entre governo local e mercado — no caso a Jiaolong Corporation. A empresa possui diversos dos contratos de serviços da cidade e recebe 25% do imposto arrecadado no município, em troca de uma série de investimentos em infraestrutura acordados. Uma edição recente do China Talk publicou uma entrevista com Qian Lu (da Universidade Central de Finanças e Economia, em Pequim) para discutir a sua pesquisa sobre a cidade.
O principal fórum de segurança internacional da Ásia, o Diálogo Shangri-La, terminou no domingo (12) após três dias de debates em Singapura. Os assuntos que mais dominaram a pauta foram a guerra da Ucrânia e a rivalidade entre China e EUA. No último dia, o ministro da Defesa da China, Wei Fenghe, criticou duramente a estratégia estadunidense para a região, acusando Washington de estar fomentando a animosidade contra Pequim, e ressaltou que o conflito ucraniano não é semelhante à questão de Taiwan, conforme matéria do The Japan Times. O India Today notou também que, em sua fala, Wei destacou a importância de manter boas relações com a Índia, manifestando vontade de dar prosseguimento às negociações sobre a fronteira. O ministro também criticou as sanções contra a Rússia e a falta de vontade do Ocidente em negociar a paz com Moscou, um posicionamento semelhante ao indiano. Já o South China Morning Post reportou o primeiro encontro de alto nível em dois anos entre China e Austrália. Representantes de outros países asiáticos, como os ministros de Fiji e Singapura, pediram para ficar longe da disputa entre os grandes e ressaltaram que a geopolítica parece ser mais importante do que o tipo de regime político nas crises atuais.
A segurança no Sudeste da Ásia está no foco nos últimos dias devido à suposta construção de uma base militar naval no Camboja para uso exclusivo da marinha chinesa. Na quarta-feira (8), China e Camboja firmaram, na verdade, um acordo para a expansão da Base Naval de Ream, notícia que deu margem para tal especulação. Tanto o governo chinês quanto o cambojano negaram o boato, amplificado pelos EUA, de que seria uma base naval para forças chinesas. Blake Herzinger, em texto para a Foreign Policy, destacou que não há motivo para crer que os governos estejam mentindo e frisou que a constituição cambojana não permite o estabelecimento de bases permanentes de forças estrangeiras no território do país. Segundo Herzinger, portanto, as reações dos EUA sobre o anúncio foram desmedidas. Porém, apesar de concordarem que não deve haver nenhum tipo de acordo secreto para uso exclusivo chinês da base naval, especialistas ouvidos pelo The Guardian criticam a falta de transparência sobre o que foi acordado entre os dois países.
O elefante na sala. Apesar de não fazer parte da Cúpula das Américas, a China apareceu como pauta em várias análises e comentários sobre o evento, organizado pelos Estados Unidos, e realizado em Los Angeles. O evento encerrou na sexta-feira (10) e alguns líderes da América Latina se recusaram a participar devido à ausência de Cuba, Venezuela e Nicarágua, que não foram convidadas — algo que a mídia estatal chinesa notou. A crítica de alguns analistas é de que os EUA mostram “fraqueza” e falham ao não demonstrar uma estratégia para a região — ao contrário da China, como discute esse texto de Nadège Rolland. Sobrou também para a organização do evento, que deixou bastante coisa para a última hora e acabou sendo desfavoravelmente comparada com os encontros realizados por Pequim.
Vizinhança armada. Falando em defesa e América Latina, um acordo de cooperação da China com o Uruguai é um dos acontecimentos da semana. A Comissão de Assuntos Internacionais do Senado uruguaio aprovou o texto no início do mês de junho, a partir de um convênio bilateral de 2019. Fora o fato do documento ser em comic sans, destaca-se que aborda reuniões temáticas, realização de exercícios conjuntos e antiterrorismo, eventos esportivos, aquisição de material, assistência humanitária, dentre outros pontos. Contudo, apesar da aprovação unânime, o Partido Nacional, governista, voltou atrás e o texto retornará para a Comissão para uma nova análise, sob pedido de mais informações.
Xinjiang. Na quarta-feira (8), 37 acadêmicos especialistas na região de Xinjiang lançaram uma carta pública à ONU, criticando o pronunciamento feito por Michelle Bachelet após sua visita à China no final de maio. No documento, afirmaram que há um consenso entre especialistas quanto à existência do que, segundo eles, pode com credibilidade ser chamado de um “programa genocida”. Os acadêmicos criticaram o escopo do pronunciamento da alta comissária de direitos humanos, que ecoaria o discurso oficial de Pequim e ignoraria pesquisas realizadas na região, além de documentos do próprio governo chinês. Eles também cobraram a divulgação do aguardado relatório da ONU sobre o assunto, inicialmente previsto para dezembro de 2021. Segundo o órgão, o documento será atualizado com base na visita de Bachelet, mas ainda não tem data marcada para publicação. Segundo a Vice, onde é possível ler a carta na íntegra, ao menos dois dos signatários participaram como consultores na preparação da visita recente à China. Nesta segunda-feira (13), Michelle Bachelet anunciou que não buscará a reeleição, decisão que teria sido informada a Antonio Guterres há dois meses.
Violência contra mulheres choca e nove são presos. As cenas de um ataque a uma mulher na cidade de Tangshan, na província de Hebei, geraram comoção da sociedade chinesa, manifestada pelas redes sociais. A filmagem de um restaurante mostra a sequência em que um homem chega ao local e começa a atacar uma mulher que está jantando com duas amigas. As cenas são brutais e seguem para fora do estabelecimento, quando a brutalidade é intensificada, com outros homens se juntando ao agressor inicial e também partindo para cima de uma das amigas que tenta ajudar a vítima. Nove homens foram detidos. A violência contra mulheres na China já apareceu aqui, como o caso recente de Xiao Huamei.
Another one bites the dust. A agência de notícias independente FactWire anunciou na sexta-feira (10) o fim imediato de suas atividades em Hong Kong, citando apenas o fato de que a mídia na região mudou nos últimos anos. Em abril, a agência ganhou destaque por conta de uma investigação em que revelou que os dois filhos do então candidato a CEO John Lee tinham ligações comerciais com membros do comitê que iria elegê-lo. No sábado, o artista Badiucao chamou atenção para o fato de que o coletivo de jornalistas e fotógrafos honconguenses Studio Incendo apagou suas contas de mídias sociais.
Se você quiser entender melhor a recente erosão da liberdade de imprensa em Hong Kong, ainda dá tempo de apoiar a Shūmiàn 书面 no Catarse e receber nosso especial deste mês, que tratará do assunto.
Contrastes. Na mesma semana em que Hong Kong foi identificada mais uma vez como a cidade mais cara do mundo para moradores estrangeiros, o SCMP lançou um especial sobre suas famosas “casas-caixão”. Esse é o nome dado às unidades de habitação precárias criadas a partir da subdivisão improvisada de apartamentos muitas vezes já bem pequenos, nas quais podem chegar a viver até três gerações da mesma família. A estimativa é de que mais de 220 mil pessoas (cerca de 3% da população) vivam nessas habitações com graves problemas de higiene e riscos de incêndio. A meta do governo de Hong Kong é erradicar as casas-caixão até 2049, a tempo da celebração do centenário do estabelecimento da República Popular da China. Os textos do SCMP trazem dados sobre esses espaços em que a parcela mais pobre da população vive, além de relatos, imagens e expectativas para o futuro. Vale a leitura.
De olho nos dados. Já contamos aqui como o custo de testes de Covid-19 virou pauta recente na China. A exigência de testes constantes — às vezes a cada 48h e não necessariamente pagos pelo governo, como Shanghai anunciou, — é cansativa e trabalhosa para cidadãos e autoridades. Ao mesmo tempo, o órgão nacional que regula produtos médicos emitiu novas regras mais rígidas para as empresas e laboratórios envolvidos em testagens. A Sixth Tone fez uma matéria trabalhando com dados abertos, estimando o montante de testes e locais necessários para realizá-los de acordo com as exigências do governo. A análise oferece diversas conclusões como, por exemplo, a de que apenas seis cidades chinesas construíram a quantidade necessária de estandes de testagem.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Cinema: o SupChina recomendou cinco filmes chineses que tocam na temática LGBTQIA+. Anota aí para aproveitar no feriadão e já tem a dica de que Happy Together, de Wong Kar-wai, está disponível no Mubi Brasil.
Podcast: se você adora o nosso chengyu semanal, então vai amar o podcast The Chinese Sayings, com Laszlo Montgomery (do famoso The China History Podcast) contando histórias sobre essas expressões e suas origens. O último episódio da quinta temporada acabou de sair.
Dá play, DJ: procurando playlists musicais? Tem a nossa, a Chaoyang Trap Summer Playlist e a da Observa China. Divirta-se!
Esquecimento: a Sixth Tone traz a história do maestro Zhou Zhou, que, depois de conduzir mais de 160 peças, hoje vive no esquecimento e numa vida precária no sul da China.
Cada pose, um flash: confira a obra do fotógrafo especializado em moda Sen Liu, nascido em Zhoukou e atualmente baseado em Shanghai, na The Kunst Magazine. E tem mais no seu perfil no Instagram.
Artes plásticas: conheça a vida e a obra de Zhang Daqian, um pintor chinês nascido em Sichuan no fim do século XIX, no fim da Dinastia Qing.